A Essa altura do campeonato...Reflexões sobre o golpe em curso e o jogo a ser jogado pelo time da democracia, parte 1
Ainda faltam 30 minutos para o jogo acabar. O time de lá
completo e ganhando. O time de cá já fez o máximo de substituições possíveis, o
atacante homem-gol joga, mas machucado, portanto, sem muito poder de fogo. A
defesa teve seu melhor zagueiro expulso, assim como o goleiro, para cuja
substituição teve-se que improvisar um dos jogadores de linha.
Desculpem os que não conhecem a modalidade esportiva, mas a
metáfora futebolística cabe bem na situação em que estamos diante do golpe em
andamento. O jogo institucional já está jogado. Trata-se de – no caso do time “de
cá” – jogá-lo com dignidade até o fim.
Mas há de se estar ciente de que esta não é a última partida
e sim o início de uma nova fase do campeonato. O problema está em definir um
novo esquema tático e um novo time. Mas antes pensemos sobre o jogo que o time golpista joga nesse momento.
O enredo golpista já está traçado. Derrota do governo na
Câmara e depois no Senado, com as bênçãos da alta corte de justiça. Junte-se a
isso a desmoralização pública das lideranças da esquerda com a implacável “cobertura”
midiática e o ostensivo apoio de movimentos de rua dos grupos de direita, e
temos as condições de “legitimação” do novo governo Temer-PMDB.
Essa “legitimação” é necessária. Até mesmo quando a democracia
brasileira ainda era um bebezinho (em 1964), os golpistas se “autolegitimavam”
bradando a defesa da democracia como razão para a derrubada do então Presidente
João Goulart. E uma vez instalados no poder, editaram “Atos Institucionais” que
tornavam “legal” o que era absolutamente antidemocrático, sendo o AI-5 o mais
famoso deles pelo seu conteúdo abertamente ditatorial.
Há, também, um outro elemento que se impõe nesse processo de
legitimação. Os investidores internacionais ao reduzirem substancialmente o
fluxo de capitais para o Brasil, demonstraram de que lado político estavam e,
assim, contribuíram com o processo de golpe em curso. Até aí nada de
surpreendente. Afinal, o “mercado” não é, nem nunca foi, um ente etéreo, “invisível”,
que age apenas por cálculo financeiro e insensível a paixões políticas. Não. O
mercado é formado por pessoas reais que têm paixões políticas e cálculo
financeiro, uma coisa articulada e à serviço da outra.
Mas eles não podem voltar a investir aqui sem garantias de
que o novo governo terá “legitimidade” para implementar a política econômica que
os agentes do mercado defendem. É preciso que esse retorno de investimento no
país tenha alguma aura de “escrupulosidade”, isto é, apoia-se financeiramente
um governo cujas medidas econômicas são “legítimas”, portanto, o risco de resistências
internas seria, em tese, bem menor.
A garantia de legitimação (e força) política para a
implementação dessas medidas (algumas das quais inscritas no documento “Ponte
Para o Futuro”, divulgado pelo PMDB), asseguraria ao novo governo um aporte de
recursos financeiros (ausentes até o momento por opção política desses agentes
do mercado) suficientes para, no curto prazo, colocar o dólar em patamares mais
suportáveis, financiar ações capazes de reduzir a atual taxa de desemprego a níveis
menores que os atuais e, até mesmo, eventualmente ampliar o Programa Bolsa
Família.
Alcançados tais objetivos, o governo golpista adquiriria
capital político e social capaz de se apresentar nas eleições de 2018 como “salvadores”
do país, credenciados, por isso, a ter o seu projeto político abençoado pelas
urnas.
Se esse traçado é factível, o time “de cá” terá que como
escrevi lá em cima, montar novo esquema tático e mesmo nova equipe, novos
nomes. Abre-se um novo período de disputas cujo território não se resume ao campo eleitoral. Aliás, essa já pode ser a primeira questão a ser discutida pelo time "de cá": o aprisionamento à lógica e aos mecanismos do campo eleitoral, com todos os seus desdobramentos (perversos e positivos). Mas isso eu deixarei para a próxima postagem.
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