Briga na Procissão, de Chico Pedrosa

Reproduzo aqui "Briga na Procissão", do paraibano Chico Pedrosa, poesia bem apropriada para esse período que os cristãos denominam de "Semana Santa". Aliás, a história retratada na poesia é o tipo de acontecimento possível de se dar em qualquer tempo em qualquer lugar. Inclusive meu querido caicoense Ronaldo Carlos tem um repertório de "causos" parecidos com o que é contado pelo poeta Chico Pedrosa, quando de sua passagem pelo glorioso TACEJA (Teatro Amador do Centro Educacional José Augusto). "Causos" estes que se passaram nas montagens da "Paixão de Cristo" pelos palcos do interior do Seridó e que dariam um ótimo livro ou filme cujo título, obviamente, seria "O Evangelho segundo o TACEJA" (rsrsrs). O convite, portanto, está feito ao ilustre colega. Terei o maior prazer de publica-las aqui....Por enquanto, fiquem com Chico Pedrosa animando o feriado de todos vocês. Beijos e abraços.

No tempo em que as estradas
eram poucas no sertão,
tangerinos e boiadas
cruzavam a região
entre volante e cangaço;
quando a lei era no braço
do jagunço pau mandado
do coronel invasor,
dava-se no interior
esse caso inusitado.

Quando Palmeira das Antas
pertencia ao capitão
Justino Bento da Cruz,
nunca faltou diversão,
vaquejada, cantoria,
procissão e romaria
sexta-feira da paixão.

Na quinta-feira maior
dona Maria das Dores
no salão paroquial
reunia os moradores;
depois de uma preleção
ao lado do capelão
escalava a seleção
de atrizes e atores.

Todo ano era um Jesus,
um Caifás e um Pilatos.
Só não mudavam a cruz,
o verdugo e os maus-tratos.

O Cristo daquele ano
foi o Quincas Beija-flor;
Caifás foi Cipriano,
Pilatos foi Nicanor.

Duas cordas paralelas
separavam a multidão
pra que pudesse entre elas
caminhar a procissão.

Quincas carregando a cruz
foi não foi advertia
o centurião perverso
que com força lhe batia:
- “Era pra bater maneiro!”
Bastião não entendia
devido ao grande pifão
que tomou naquele dia
do vinho que o capelão
guardava na sacristia.

Cristo dizia: - “Ô rapaz,
vê se bate devagar!
Já tô todo incalombado,
assim não vou agüentar.
Ta c'a gota pra doer!
Ou tu para de bater
ou a gente vai brigar...

Jogo já essa cruz fora,
tô ficando aperreado;
vou morrer antes da hora
de ficar crucificado!”

O pior é que o malvado
fingia que não ouvia,
e além de bater com força
ainda se divertia,
espiava pra Jesus,
fazia pouco e dizia:

- “Que Cristo frouxo é você
que chora na procissão?
Jesus pelo que se sabe
não era mole assim não!

Eu tô batendo com pena,
tu vai ver o que é bom
na subida da ladeira
da venda de Fenelon
o couro vai ser dobrado!
Até chegar no mercado
a cuíca muda o tom.”

Naquele momento ouviu-se
um grito na multidão.
Era Quincas que com raiva
sacudiu a cruz no chão
e partiu feito um maluco
pra cima de Bastião.

Se travaram no tabefe,
pontapé e cabeçada ;
Madalena levou queda,
Pilatos levou porrada,
deram um cacete em Caifás
que até hoje não faz
nem sente gosto de nada.

Desmancharam a procissão,
o cacete foi pesado;
São Tomé levou um tranco
que ficou desacordado;
acertaram um cocorote
na cabeça de Timote
que até hoje é aluado.

Até mesmo São José,
que não é de confusão,
na ânsia de proteger
seu filho de criação,
aproveitou a garapa
pra dar um monte de tapa
na cara do bom ladrão.

A briga só terminou
quando o doutor delegado
interviu e separou
cada santo pro seu lado.
Derna que o mundo se fez,
foi essa a primeira vez
que Jesus foi pro xadrez,
mas não foi crucificado.

Comentários

Salve! salve!, meu camarada de Terras revolucionárias...
Andava me perguntando, onde estaria aquele conterrâneo de meu avô...
Bom encontrá-lo pelas andaças do Quixotes, forós e baiões e que maravilha o Chico Pedrosa...
Vida Longa!
Marcelo "Russo" Ferreira
Unknown disse…
Salve o poeta Chico Pedrosa cuja poética é também lembrada pelo Cordel do Fogo Encantado.

Vamos acompanhar o blog na procissão.
Anônimo disse…
Que bacana! Esse poema de Chico Pedrosa eu não conhecia. Me diverti muito ao lê-lo. Parabéns professor e ótimo feriado... abração!!! HÉLIA*
Adriana disse…
Não conhecia esse poema adorei,li e dei timas gargalhadas.Só vc para me fazer rir nesta semana santa pois caifás está solto em Florânia.Adriana Bernardo
Anônimo disse…
Oh Via Sacra,ma-ra-vi-lho-sa.É esse tipo de leitura,que precisamos para sorrírmos de vez em quando ,em nossas vidas conturbada.
valeu CHICO.
Vsleu TEACHER.Fique bem!
Ana Lucia disse…
Oi Sandro, Ô região abençoada esse nordeste, faz humor inteligente em forma de poesia e ainda tem um sotaque... i-rre-sis-tí-vellll rsrsrs. Parabéns ao Chico Pedrosa, nos presenteou com sua bela arte.
Blog do Saci disse…
Bom, Sandro! Já que você agora entrou no terreno lítero-poético-escrachado e perfeito, sugiro uns dropes de Zé Limeira, "O Pássaro do Teixeira" ou "O Poeta do Absurdo". Adorei reler o poema do Chico Pedrosa, tantas vezes declamado pelo meu irmão Galvão Freire em terras e tempos que lá se vão. Eis o nosso jeito: rir, mangar, "se abrir" e deixar que outros viagem nesse infomar de coisas que estavam nas cordelices da vida passada. Abraços do outono paulistano ao calor de figo do Sertão, passando pelos ventos do litoral potiguar... (Djair)

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