Sobre um certo corte na mão...
Queria a vida assim... O pão do meu trabalho, posto sobre a mesa, à espera de minha fome. Pego-o todos os dias, mas, hoje, por um descuido, urdido pelos deuses das mãos trêmulas, ao cortá-lo, cortei também um dedo. Ele sangrou, escorreu sobre a mesa, E a dor apertou meu coração, Correu meus ossos, Alcançou minha boca, transformou-se em grito. Lavei-o. Fiz compressas. O sangue estancou. O dedo, latejando, lembrava-me o tempo todo do corte. A cicatriz formou-se, dias depois, lembrando-me que, às vezes, comer um pão pode trazer dor. Mas o pão de hoje, O desejo de tê-lo, A fome de comê-lo, é muito mais forte, que o corte e a cicatriz. É muito mais intenso que a dor e o grito. Mais intenso que o grito de dor, é (deve ser) o grito de prazer.