B.O. (um microconto para se ler em delegacias)
Ao cruzar a esquina, foi súbita e certeira a certeza de que faltava algo...um vazio que gritava por baixo de minhas roupas. Parei no contrafluxo da rua, atrapalhando-me em minhas próprias pernas e passadas. Porraaa!!! As mãos, imediatamente, trêmulas, saíram à procura de todos os bolsos. Apalpavam, nervosas, cada volume. Insidiosos, os dedos buscavam cada recanto possível onde eu guardava volumes. Eles eram os meus olhos.
Os segundos que consumiram esses momentos já se encontravam encharcados de tanto suor, quando me virei para trás e a vi, tranquila, assistindo a toda aquela cena na qual eu era o personagem e ela a escritora. Estampado em seu rosto, um sorriso malicioso emoldurado pelo olhar convicto e sacana que me dizia silenciosamente: "Te pegueei..."
Os segundos que consumiram esses momentos já se encontravam encharcados de tanto suor, quando me virei para trás e a vi, tranquila, assistindo a toda aquela cena na qual eu era o personagem e ela a escritora. Estampado em seu rosto, um sorriso malicioso emoldurado pelo olhar convicto e sacana que me dizia silenciosamente: "Te pegueei..."
Quando minhas mãos finalmente chegavam ao fim de suas incursões nervosas caçando ausências e me dei conta do que havia sido furtado a vi, novamente, brincando, simulando despretenciosidade, com meu coração em suas mãos...parti em seu encalço...ela disparou em correria, gargalhando, enquanto eu ofegava, arrancado de um dos meus pedaços mais preciosos...dobrei esquinas, cruzei pontes...por vezes a perdia de vistas, por vezes ela se mostrava, provocadora...atravessei estradas e nuvens, driblei carros velozes e me esquivei de transeuntes imersos em seus celulares...
Perdi-a de vista no meio da multidão. Cansado e vencido, só me restou aguardar que ela se dignificasse a fazer um contato e apresentar o valor do resgate.
Quando eu dobrava, cambaleante, a última esquina, antes de me entregar ao aconchego silencioso da minha rua, um vento balançador de cabelos (que eu não tinha) caiu sobre mim como uma chuva torrencial, me sacudindo e deixando entre os paralelepípedos indefesos um pedaço de papel com um número de telefone.
Perdi-a de vista no meio da multidão. Cansado e vencido, só me restou aguardar que ela se dignificasse a fazer um contato e apresentar o valor do resgate.
Quando eu dobrava, cambaleante, a última esquina, antes de me entregar ao aconchego silencioso da minha rua, um vento balançador de cabelos (que eu não tinha) caiu sobre mim como uma chuva torrencial, me sacudindo e deixando entre os paralelepípedos indefesos um pedaço de papel com um número de telefone.
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