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Mostrando postagens de fevereiro 10, 2009

Maria Mortalha

Pensando no encontro de Dona Raimunda com a morte, lembrei-me de uma poesia maravilhosa denominada “Maria Mortalha”, de autoria da poetisa Maria da Graça Almeida, enviada a mim pelo grande amigo e poeta Gilmar Leite. Lá vai: "Cedo, deitou-se Maria, pronta pra logo morrer, vestindo a alva mortalha, sem medo de adormecer. Os olhos tanto mais fundos, coroados por olheiras, cerravam-se moribundos, nessa hora derradeira. Implorando-lhe ajuda, veio um moleque qualquer: - Vó, apanha uma agulha, me tira o bicho do pé! Servil, levanta a Maria, desvestindo a alva mortalha e já mais morta que viva, do pé, o bicho estraçalha. Volta, esvaída, Maria para o bom leito de morte, quando lhe chega a nora , chorando a fome e a sorte. Maria, do quarto, dormente, sai e aquece o fogão, serve-lhe o leite fervente e duros nacos de pão. Com a fome, então, saciada e o corpo fortalecido, parte a jovem senhora com olhos agradecidos. Maria, assim, novamente, põe-se no leito de palha, julgando que, certament

As mortes e a morte de Dona Raimunda

Durante a minha recente viagem de férias, numa das vezes em que liguei para o meu povo em Caicó, soube de uma notícia triste: da morte de Dona Raimunda, uma pessoa que por muito tempo foi um apoio importante na minha vida, tendo me ajudado a cuidar de meu filho mais novo, Cauê. Há uma faceta sua que me chamava a atenção: costumava ficar atenta ao rádio enquanto trabalhava, atenta às notícias de morte de alguém na cidade. O objetivo era, principalmente, saber quando e onde aconteceria o velório para que ela fosse lá visitar o defunto. Não precisava que fosse alguém conhecido. Tratava-se de uma curiosa mescla de solidariedade com os mortos e sua família, com um irreprimível pulsar de proximidade com a morte. Proximidade esta que ocorreu ainda quando jovem, por ocasião de uma de suas idas às festas que aconteciam na antiga Palhoça (hoje sede do Atlético Clube Corintians). Lá ela passou a noite inteira dançando com um indivíduo conhecido à época como Chico Timbaúba. Este homem, após sair

Nossa Senhora das Correntes

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Em Penedo há uma Igreja que pertenceu a uma antiga e poderosa família portuguesa – Lemos – que foi influente na cidade por muito tempo. Uma família construir uma Igreja para si mesma era um costume muito comum no Brasil Colônia. Era uma forma da família estreitar laços com o poder da Igreja. Mas, ainda que fosse bastante influente e dominante na região, os principais membros da família eram contra a escravidão e mantinham um esquema de falsificação de cartas de alforria que viabilizou a liberdade para muitos escravos da região, especialmente os que atravessavam o Rio São Francisco, vindos das fazendas do lado de Sergipe em direção a Penedo, em Alagoas. A Igreja denomina-se Nossa Senhora das Correntes, apropriadamente, pois os escravos nadavam à noite e ao chegarem no outro lado da margem buscavam a Igreja dos Lemos, onde ficavam escondidos dentro de um compartimento diminuto – que cabia apertadamente em torno de 4 escravos – ao lado de um dos altares, durante os momentos em que se dava