Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, por Olympe de Gouges

Em reverência às celebrações sobre o Dia Internacional da Mulher, resolvi publicar um texto pouco conhecido para além das feministas e curiosos/amantes da história.
Trata-se da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, escrita pela francesa Olympe de Gouges, em 1791, durante os intensos momentos em torno da consolidação da Revolução Francesa.
"Olympe de Gouges é uma das personagens mais estudadas da Revolução Francesa e considerada a pessoa que melhor encarnou os princípios igualitários e progressistas da revolução. 
Marie Gouze nasce em 1748 em Montauban, França. Filha de uma família modesta, seu pai era açougueiro e a mãe, serviçal. Aos 16 anos, casa-se com um homem muito mais velho. Um ano depois, ela dá à luz seu único filho. O matrimônio não dura muito. Logo em seguida ao parto, fica viúva.
Desde então ela resiste às pressões familiares e se opõe a um novo casamento. "O casamento é o túmulo da confiança e do amor", dizia. A vida conjugal a impediria de levar adiante seu projeto: queria ser uma mulher de letras. Muda-se para Paris, onde seu amante, Jacques Bétrix, lhe garante uma certa renda. A mudança não é apenas de cidade. Ela passa a chamar-se Olympe de Gouges.
Entre 1788 e 1793, [testemunha] os principais episódios que culminariam na Revolução Francesa e a escrever, no calor da hora, sobre eles. Ela sacrifica sua fortuna e sua vida dedicada às artes para inundar Paris com cartazes, panfletos e tratados políticos e se torna uma das figuras mais emblemáticas da revolução.
Sua paixão é tamanha que um texto dessa época a imortaliza. É a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791). Ela remete a declaração à Assembléia Nacional, com o pedido de que fosse decretada como fundamento da Constituição do país. Ela acredita que não há revolução sem as mulheres.
Mas a intolerância dos regimes - a Monarquia e depois a Convenção - não aceita seu espírito libertário. Revoltada com o regime de terror implantado pelos revolucionários, ela ataca duramente Marat e Robespierre, que passam a considerá-la 'perigosa demais'. Seu envolvimento com a política provoca antipatia e perseguição até no meio intelectual que a acolhera. Sua coragem é chamada de loucura e heresia. Mas Olympe de Gouges defende seu ideal até o sacrifício de sua vida.
Ela morre guilhotinada em Paris, no dia 3 de novembro de 1793. Antes ela afirmaria: "A mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna." Nesse ano, as associações de mulheres são proibidas na França. "

Abaixo, então, o texto dessa mulher extraordinária:

Preâmbulo

As mães, as filhas, as irmãs, representantes da nação, reivindicam constituir-se em Assembleia Nacional. Considerando que a ignorância, o esquecimento, ou o desprezo da mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governantes, resolverem expor em uma Declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis, e sagrados da mulher, a fim de que esta Declaração, constantemente, apresente todos os membros do corpo social seu chamamento, sem cessar, sobre seus direitos e seus deveres, a fim de que os actos do poder das mulheres e aqueles do poder dos homens, podendo ser a cada instante comparados com a finalidade de toda instituição política, sejam mais respeitados; a fim de que as reclamações das cidadãs, fundadas doravante sobre princípios simples e incontestáveis, estejam voltados à manutenção da Constituição, dos bons costumes e à felicidade de todos.
Em consequência, o sexo superior tanto na beleza quanto na coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser superior, os Direitos seguintes da Mulher e da Cidadã:
ARTIGO PRIMEIRO
A mulher nasce e vive igual ao homem em direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas a não ser no bem comum.
II
A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem: estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e sobretudo a resistência a opressão.
III
O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação, que não é nada mais do que a reunião do homem e da mulher: nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que deles não emane expressamente.
IV
A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence a outrem; assim, os exercícios dos direitos naturais da mulher não encontra outros limites senão na tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser reformados pelas leis da natureza e da razão.
V
As leis da natureza e da razão protegem a sociedade de todas as ações nocivas: tudo o que não for resguardado por essas leis sábias e divinas, não pode ser impedido e, ninguém pode ser constrangido a fazer aquilo a que elas não obriguem.
VI
A lei dever ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem contribuir pessoalmente ou através de seus representantes; à sua formação: todas as cidadãs e todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as dignidade, lugares e empregos públicos, segundo suas capacidades e sem outras distinções, a não ser aquelas decorrentes de suas virtudes e de seus talentos.
VII
Não cabe exceção a nenhuma mulher; ela será acusada, presa e detida nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem tanto quanto os homens a esta lei rigorosa.
VIII
A lei não deve estabelecer senão apenas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido a não ser em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada as mulheres.
IX
Toda mulher, sendo declarada culpada, deve submeter-se ao rigor exercido pela lei.
X
Ninguém deve ser hostilizado por suas opiniões, mesmo as fundamentais; a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna; contanto que suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela Lei.
XI
A livre comunicacão dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos os mais preciosos da mulher, pois esta liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode, portanto, dizer livremente, eu sou a mãe de uma criança que vos pertence, sem que um prejulgado bárbaro a force a dissular a verdade; cabe a ela responder pelo abuso a esta liberdade nos casos determinados pela Lei.
XII
A garantia dos Direitos da mulher e da cidadã necessita uma maior abrangência; esta garantia deve ser instituída para o benefício de todos e não para o interesse particular daquelas a que tal garantia é confiada.
XIII
Para a manutenção da força pública e para as despesas da administração, as contribuições da mulher e do homem são iguais; ela participa de todos os trabalhos enfadonhos, de todas as tarefas penosas; ela deve, portanto, ter a mesma participação na distribuição dos lugares, dos empregos, dos encargos, das dignidades e da indústria.
XIV
As Cidadãs e os Cidadãos têm o direito de contestar, por eles próprios e seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As cidadãs podem aderir a isto através da admissão em uma divisão igual, não somente em relação à adiministração pública, e de determinar a quota, a repartição, a cobrança e a duração do imposto.
XV
A massa das mulheres integrada, pela contribuição, à massa dos homens, tem o direito de exigir a todo agente público prestação de contas de sua administração.
XVI
Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não e assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem qualquer constituição; a constituição é nula, se a maioria dos indivíduos que compõ a Nação não cooperam à sua redação.
XVII
As propriedades pertecem a todos os sexos, reunidos ou separados; constituem para cada um, um direito inviolável e sagrado; ninguém disto pode ser privado, pois representa verdadeiro patrimônio da natureza, a não ser nos casos de necessidade pública, legalmente constatada, em que se exige uma justa e prévia indenização.
Conclusão
Mulher, desperta-te; a força da razão se faz escutar em todo o universo; reconhece teus direitos. O poderoso império da natureza não está mais envolto de preconceitos, de fanatismo, de supertisção e de mentiras. A bandeira da verdade dissipou todas as nuvens da tolice e da usurpação. O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação a sua companheira.

Oh mulheres.

Comentários

Unknown disse…
Olá Sandro,

Obrigada por lembrá-la!!
Existe uma biografia de Olympe de Gouges chamada Eu vivi por um Sonho: vale muito fazer essa leitura!!

Um grande abraço,
Graça
Unknown disse…
Olá Sandro,

Obrigada por lembrá-la!!
Existe uma biografia de Olympe de Gouges chamada Eu vivi por um Sonho: vale muito fazer essa leitura!!

Um grande abraço,
Graça
Salve, Salve, glorioso conterrâneo de Hiram...
Saudações...
"O homem escravo multiplicou suas forças e teve necessidade de recorrer às tuas, para romper os seus ferros. Tornando-se livre, tornou-se injusto em relação a sua companheira."...
O que dizer desta histórica verdade?
À Luta...
Abraços
Há braços!
Marcelo "Russo" Ferreira
NEVINHA disse…
Lindo! obrigada Sandro.
Abraço,
Nevinha
NEVINHA disse…
Lindo!
Obrigada Sandro.
Abraço,
Nevinha

Postagens mais visitadas deste blog

Briga na Procissão, de Chico Pedrosa

O nascimento de Peri

O Evangelho segundo o TACEJA