Há política por trás da paralisia do PRONERA?

O nosso curso Pedagogia da Terra da UFRN encontra-se atualmente numa crise de imobilidade devido ao não repasse de recursos por parte do INCRA, igualmente paralisado (e prisioneiro) do entendimento de determinados setores internos que insistem em recusar que estudantes e professores que atuam no projeto possam receber algum tipo de auxílio financeiro pela participação nesse projeto.
Os alunos não tiveram aula em Janeiro (quando deveria ter tido início o semestre 2009.1), muito menos foram realizadas as atividades nos assentamentos durante os meses seguintes, e as atividades que dariam início ao semestre 2009.2 (previsto para julho) estão ameaçadas em face da paralisia imposta pelo impasse.
Por um lado, há um acórdão do TCU que proíbe as Fundações (como a nossa FUNPEC aqui na UFRN) repassarem recursos aos professores e estudantes na forma de bolsas de ensino ou extensão ou pesquisa, contradizendo e reduzindo a pó os planos de trabalho aprovados há dois anos nos termos dos convênios assinados entre o INCRA, a FUNPEC e a UFRN.
Esse problema até que poderia (e pode) ser solucionado entre os três entes, mas há uma evidente má vontade por parte de determinados setores do INCRA em levar esses entendimentos à frente.
No caso do Pedagogia da Terra a teimosia quanto às proibições no plano da execução orçamentária soma-se a uma estranha dificuldade do INCRA em apresentar soluções para o equacionamento dos problemas (essa dificuldade, no caso de um outro curso, de nível médio, também conduzido pela UFRN, o Enfermagem da Terra, já dura mais de um ano de paralisação das atividades). E tais problemas estão sendo enfrentadas por outras ações do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (o PRONERA).
O “desconfiômetro” ligado me indica que há algo maior por trás de tantas dificuldades. Algo da natureza da política e não da norma jurídica, pois as normas servem a determinadas vontades políticas e não o contrário.
Assim, posto aqui matéria publicada pela Agência Estado que revela um sério precedente criado pelo ministro Gilmar Mendes (aquele que não anda na rua, segundo seu colega de Toga), dando liminar favorável à suspensão das atividades do curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Essa decisão se soma aos pequenos e grandes ataques que setores das elites do país (também entranhadas em estruturas do governo federal) vêm realizando no sentido de esvaziar e bloquear as ações oficiais que se dirigem à população dos assentamentos rurais de reforma agrária do país e nos ajuda a entender o que tem a ver a atual paralisia nos cursos do PRONERA.

"OS CURSOS PARA OS ASSENTADOS (Agência Estado, 04/05/2009 - São Paulo SP)
Editorial
Ao julgar em caráter liminar um recurso impetrado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manteve a suspensão das atividades do curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) para assentados do programa de reforma agrária do governo federal. A suspensão havia sido determinada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região a pedido do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, que alegou que o acesso à universidade pública tem de ser feito por concurso, com base no princípio do mérito, não sendo permitida a criação de turmas "especiais" ou "exclusivas" para determinados grupos sociais. O curso foi criado por convênio firmado pelo Incra com a Fundação Simon Bolívar, vinculada à Universidade Federal de Pelotas. Na ocasião, o Conselho Departamental da Faculdade de Medicina Veterinária se opôs à iniciativa, alegando que o convênio fere os princípios da autonomia universitária e da igualdade no acesso ao ensino superior. Pelo convênio, o curso é oferecido a estudantes indicados pelos assentamentos e a matrícula é condicionada à obtenção de uma carta de anuência do superintendente regional do Incra.
A direção do Incra alegou que o convênio faz parte do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Seu objetivo seria capacitar "grupos historicamente desfavorecidos", criando condições para reduzir as desigualdades sociais. Mas, ao acolher o recurso dos procuradores gaúchos, a Quarta Turma do TRF da 4ª Região afirmou que, além de padecer de vícios jurídicos, o curso "especial" de medicina veterinária da UFPEL é um curso universitário como outro qualquer, não sendo por isso "adequado à atuação específica e à atividade profissional de seus beneficiários". Os argumentos do Ministério Público e do TRF foram endossados pelo presidente do STF. "A Constituição garante igualdade de acesso e permanência ao ensino público de qualidade conforme a capacidade de cada um. Ela impõe ainda que o acesso ao ensino seja realizado de modo isonômico", disse Mendes, em despacho de 15 páginas. "Apesar de se reconhecer a validade e a necessidade de se oferecer aos assentamentos condições favoráveis ao seu desenvolvimento sustentável, as providências adotadas para o atendimento dessa finalidade não podem ocorrer de maneira a comprometer o delineamento constitucional do ensino superior no País", concluiu. Segundo Mendes, ao se formarem, os alunos dos cursos "especiais" sentir-se-iam estimulados a pleitear registro no conselho profissional da categoria como se tivessem feito um curso regular, o que levaria a uma enxurrada de contestações judiciais à validade de seus diplomas.
Além dos vícios jurídicos, o convênio peca pelo enviesamento ideológico. Entre outros absurdos, ele prevê que técnicos do Incra e representantes de movimentos sociais possam interferir na supervisão pedagógica dos cursos "especiais" ou "exclusivos" de medicina veterinária da UFPEL. Para o Ministério Público Federal e para a Quarta Turma do TRF da 4ª Região, isso permite ingerência política nas aulas, esvazia a autonomia didática e científica dos professores e compromete o pluralismo de ideias.
Esses argumentos também foram endossados pelo presidente do Supremo. "Causa perplexidade a participação do Incra e de movimentos sociais na supervisão pedagógica. Ou seja, indivíduos não pertencentes aos quadros da Universidade poderão influir de forma decisiva no programa do curso a ser ministrado", afirmou Mendes. Para os responsáveis pelo Programa Nacional de Reforma Agrária, o convênio com a Fundação Simon Bolívar configura uma política de ação afirmativa, a exemplo do sistema de cotas raciais. O presidente do STF refuta o argumento, alegando que as turmas "especiais" em universidades públicas são uma "medida de tal forma gravosa" que trazem mais problemas do que soluções para a correção das desigualdades sociais. A decisão de Mendes não é definitiva. Ele reconhece que o tema é polêmico e que o caso só terá uma decisão definitiva quando o STF julgar, no mérito, a constitucionalidade do sistema de cotas, que é a espinha dorsal das políticas de ação afirmativa do governo."

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