Sobre um certo corte na mão...

Queria a vida assim...
O pão do meu trabalho,
posto sobre a mesa,
à espera de minha fome.
Pego-o todos os dias,
mas, hoje, por um descuido,
urdido pelos deuses das mãos trêmulas,
ao cortá-lo, cortei também um dedo.
Ele sangrou, escorreu sobre a mesa,
E a dor apertou meu coração,
Correu meus ossos,
Alcançou minha boca,
transformou-se em grito.
Lavei-o. Fiz compressas.
O sangue estancou.
O dedo, latejando,
lembrava-me o tempo todo do corte.
A cicatriz formou-se, dias depois,
lembrando-me que, às vezes,
comer um pão pode trazer dor.
Mas o pão de hoje,
O desejo de tê-lo,
A fome de comê-lo,
é muito mais forte,
que o corte e a cicatriz.
É muito mais intenso
que a dor e o grito.
Mais intenso que o grito de dor,
é (deve ser) o grito de prazer.

Comentários

dra.neurawm disse…
Nós humanos sempre tivemos uma relação afetiva muito intensa com o pão que sacia nossa fome, tanto material como espiritual.
Mais uma vez, nesse texto, você revelou toda sua humanidade.
Forte abraço
Anônimo disse…
Acabei de ler o poema e acredite, você conseguiu expressar o momento... e, o que de fato devemos acolher mais em nossa vida e em nossos corações, pois tudo passa... Me alegro que minhas palavras contribuíram para esta gestação. Com certeza, outras virão!
Beijo.

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