Cordel: quando Zé da Luz tornou-se celebridade cultural


O Cordel do Fogo Encantado aportou pela cidade do Sol sábado passado e fez seu espetáculo. Mais uma vez mostrou sua "verdade" no palco com força e a total cumplicidade da platéia. Não gostaria de comentar o espetáculo em si simplesmente porque já os vi quatro vezes. A ótima impressão da primeira vez acaba por condicionar os olhares seguintes e, no final das contas, não é objetivo desta nota dizer se eles são bons ou não. Basta apenas constatar que mesmo sem freqüentarem emissoras de rádio e TV eles já têm um público fiel capaz de lotar qualquer espaço que caiba mais de 2 mil pessoas. Vi isso em João Pessoa e Brasília.
O que gostaria de comentar mesmo (e é essa a razão do título da nota) é a capacidade que esses meninos tiveram de transformar Zé da Luz (paraibano que morreu no Rio de Janeiro trabalhando como sapateiro, tendo alcançado apenas a 4a. série primária) numa celebridade.
Em todos os espetáculos do Cordel, é impossível que eles não cantem "Chover" (uma ode à tragédia e à esperança que convivem com o sertanejo entre a estiagem e o inverno) e não seja declamada a (já tornada clássica) "Ai se sêsse!", de Zé da Luz. As pessoas gritam para que eles cantem "Chover" da mesma forma como recitam os versos de "Ai se sêsse!". Recitam como se estivessem cantando uma música.
Não é comum que uma poesia seja recitada assim em uníssono por milhares de pessoas, durante um espetáculo de música...Zé da Luz, com certeza, nunca imaginou que sua singela poesia tivesse esse alcance, essa força. Uma força e um alcance tornada possível pelos meninos do Cordel que mostram que é possível unir tradição e contemporaneidade sem cairmos em estilizações ou arcaísmos.
O Cordel nos diz que nosso sertão não é a expressão dos restos de um passado semi-morto que permanece em alguns rincões foribundo e à espera de ser engolido pela indústria cultural de massas que uniformiza expressões e transmuta a capacidade criativa dos humanos em repetição de fórmulas comercialmente viáveis e exitosas.
O Cordel nos mostra que é possível dimensionar em cada universo particular todo o poder de universalidade que ele tem. O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão porque eles estão lado a lado e não vivem um sem o outro. As águas dos rios desembocam no mar e boa parte das águas deste se transformam em chuva para adubar as terras áridas do interiorzão.
Uma boa semana para todos.

Comentários

Cainã disse…
Adoro suas escrivinhações

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