Após 17 de abril não seremos os mesmos

Contagem regressiva...as vezes em que me lembro sentir o que sinto agora são raros: no dia da votação das Diretas Já (ainda era um moleque em Caicó) e no dia da divulgação do resultado do 1o. turno das eleições presidenciais de 1989 (já adolescente enfurnado até o talo no movimento estudantil da UFRN)...momentos em que minhas esperanças se misturavam com a ansiedade e as dúvidas do que viria depois. Hoje acordei com vontade de escrever muita coisa. Escrever uma carta ao meu neto como quem escreve ao futuro...Só consigo o que vem a seguir. A partir de segunda feira não seremos mais os mesmos. Se a nossa luta contra o golpe vence, o governo Dilma terá que assumir outros rumos, não apenas em consideração a todxs aqueles que foram às ruas defendê-la, mas porque seu segundo mandato revela o esgotamento de um projeto cujas fragilidades atuais (pelo menos para mim e minha limitada compreensão) são decorrentes de: a) uma política econômica que ampliou o mercado interno e a capacidade de consumo de amplos segmentos sociais excluídos dessa seara, mas não conseguiu construir as bases estruturais de um outro modelo capaz de reindustrializar o país, constituir uma rede de produção e comercialização agrícola de alimentos que beneficiasse os pequenos produtores rurais, de modo que tivéssemos outras condições para enfrentar a atual crise econômica mundial e a alta inflacionária; b) em nome da governabilidade, não fez o enfrentamento direto com a grande mídia, mas não empreendeu qualquer iniciativa de estruturação ou apoio à formação de redes populares de comunicação social que pudessem construir outras referências para a disputa hegemônica; c) as políticas sociais promoveram inclusão econômica em larga escala, mas se mantiveram fechadas à possibilidade de organização produtiva autônoma dos seus beneficiários, tal como se pensava quando da elaboração do Programa Fome Zero (sabotado pelos prefeitos municipais sem maiores resistências do próprio governo do PT). Mas não está dado que a mudança de rumo acontecerá. Nem mesmo com a eventual presença do Lula no governo. Os próximos anos seriam, apenas, um período para se fazer ajustes com o objetivo de minorar os efeitos da crise econômica mundial e recuperar algum capital político para se travar uma disputa digna em 2018. Dois anos não são suficientes para recompor ou fundar novas estruturas e projetos cujos resultados possibilitem ao governo enfrentar a oposição em condições de uma vitória tranquila. Não mesmo. O país rachou ano passado, está rachado hoje e continuará rachado até 2018. Na verdade, abriu-se um longo processo de disputas políticas no Brasil, cujo desfecho implica reacomodações políticas à esquerda e à direita, e a implementação de um novo projeto estratégico para o país. Uma eventual vitória dos golpistas (três golpes na madeira...rs), abrirá um novo ciclo para a esquerda brasileira, comparável ao que aconteceu nos anos 1950, com a divulgação dos crimes de Stálin, e após o endurecimento do regime ditatorial instalado em 1964. Dilemas novos e antigos, estratégicos e conjunturais se combinam e se colocam como definidores dos rumos que o PT e a esquerda terão que assumir a partir de uma avaliação desse período aberto em 2002 em termos bem mais amplos que apenas uma avaliação do governo petista. Trata-se de avaliar a experiência de um governo de esquerda, com suas conquistas sociais e políticas, mas também, com suas concessões (éticas e programáticas). Trata-se de avaliar a postura da direita e suas novas formas de entrada na disputa política ocupando as ruas. Trata-se de avaliar que setores das elites são efetivamente comprometidos com a democracia e um modelo econômico não espoliativo e efetivamente inclusivo. Trata-se de avaliar o comportamento de segmentos da esquerda que num quadro de golpe somente veem o próprio umbigo, pouco sensíveis aos golpistas que, ao seu lado, entoam aos gritos o mesmo desejo de derrubada do governo. Trata-se de avaliar a forma como o PT enfrentou os desvios de conduta de suas lideranças envolvidas em escabrosas ilegalidades. Trata-se de se pensar quais os elementos de um novo projeto sócio-histórico para o país. Os dias que nos esperam serão de muita fertilidade. E ainda que não tenha participado ativamente do processo de constituição de nenhuma das Frentes (Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo) que hoje protagonizam as ações antigolpistas, entendo que elas podem se constituir em territórios grávidos de novas possibilidades de organização da esquerda brasileira, se superarem a importantíssima funcionalidade atual de instrumentos coletivos e populares antigolpe.

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