Sobre as relações entre cultura e (a)política...sobre o conservadorismo de nossos velhos roqueiros.
Dia desses tava conversando com pessoas próximas sobre o tema desta matéria...uma tentativa de entender a "indignação" de alguns dos roqueiros dos anos 1980 nos dias de hoje.
O texto é do sítio Pragmatismo Político. Vale a pena ler.
A guinada conservadora de roqueiros dos anos 80
Por que roqueiros dos anos 80 se tornam neoconservadores? O paradoxo para essa geração niilista e hedonista herdeira do trauma da cultura hiperinflacionária é que o fim do mundo não aconteceu
Fazendo caras feias e rostos vincados, roqueiros dos anos 80 se zangam e protestam dizendo que 30 anos depois, nada mudou no País. Artistas e bandas de rock que na década de 1980, inspirados no punk e pós-punk, se opunham ao regime militar e reivindicavam pelas Diretas Já e democracia. Hoje, queixam-se para uma mídia ávida por declarações conservadoras não só contra o Governo, mas contra a própria instituição da Política e dos políticos. Por que só depois de 30 anos descobriram que o País “só patina ou piora”? Oportunismo em meio de carreiras em declínio? Forma de ganhar visibilidade midiática adotando o neoconservadorismo? Talvez a explicação não seja tão simples: por trás do niilismo e pessimismo fashion desses roqueiros talvez exista a repetição do trauma de uma geração que cresceu sob o impacto da cultura hiperinflacionária dos anos 80. Presos a essa cena de décadas atrás, de contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
Em foto promocional do 18° discos dos Titãs, o grupo posa com caras de maus e vestidos de preto sobre lambretas. “São as caras feias de um Brasil que, vira e mexe não muda”, dá legenda o jornal O Globo. E na matéria o guitarrista (e colunista do próprio jornal) Tony Bellotto, 53, fuzila: “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”. É recorrente a leva de roqueiros dos anos 80 como Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto, Léo Jaime entre outros que não só desfilam opiniões catastrofistas e de descrédito não só ao Governo Federal, mas em relação à própria instituição da Política em redes sociais e grande mídia.
A ânsia em se portarem como críticos politicamente incorretos algumas vezes beira ao protofascismo como no episódio da “pegadinha” do colunista da Folha Antônio Prata que, simulando ter aderido ao neoconservadorismo, escreveu sobre uma suposta conspiração de “gays, vândalos, negros, índios e maconheiros” no Brasil do PT. O roqueiro Roger do “Ultraje a Rigor” caiu na “pegadinha” e no twitter congratulou o articulista por “ter culhões”. Roger não entendeu a ironia, na ansiedade de fazer parte da onda neoconservadora na grande mídia.
Em todos esses roqueiros sobreviventes dos anos 1980 dois traços em comum: a carreira em baixa por não conseguirem se reinventar e a paralela conquista de espaços na grande mídia como colunistas de revistas e jornais, repórteres de programas vespertinos como Vídeo Show da TV Globo, banda de apoio a talk showsde stand ups neoconservadores ou jurados de reality show musicais. E os espaços alternativos que ganham na grande mídia crescem na proporção direta em que se expõem como estrelas neoconservadoras que participam da grande editoria que unifica a todos: “o Brasil é uma merda!”.
Para quem foi contemporâneo dessa geração como esse autor que traça essas linhas, é a princípio surpreendente esse posicionamento neoconservador. Uma geração cujas bandas participavam de programas alternativos de TV como Perdidos da Noite (1985-89) de Fausto Silva ou Fábrica do Som (1983-84) do vídeo maker Tadeu Jungle onde exibiam músicas furiosas e discursos críticos contra a ditadura militar e reivindicações viscerais pelas Diretas Já e a democracia na Política.
O que é marcante nesse discurso neoconservador é não só o ódio pelo PT, mas, principalmente, a descrença niilista da própria instituição da Política e da representatividade partidária pela qual reivindicaram há 30 anos.
Como explicar essa guinada ideológica de artistas e bandas de rock que, embalados pelos ventos do punk e pós-punk que sopravam da cultura pop, usaram essa força estética para protestarem contra o regime autoritário e a restrição a eleições diretas para presidente? E também como explicar por que só depois de 30 anos descobriram que o Brasil “ou patina, ou piora”?
Oportunismo? Artistas decadentes que procuram um lugar ao sol da grande mídia conservadora quando veem que suas carreiras estão em declínio? Acredito que a resposta talvez não seja assim tão simplista, mas resida no perfil psicocultural de uma geração que cresceu sob o impacto da hiperinflação da década de 1980
A cultura da hiperinflação
Ainda está por ser escrita uma história do legado que a cultura hiperinflacionária desse período deixou como mácula para toda uma geração. E essa história poderia começar a ser escrita a partir da forma como os expoentes artísticos dessa geração se entregam atualmente e de forma tão voluntariosa à onda neoconservadora e retrofascista que está em crescimento no País com linchamentos, ódio, intolerância e a sedução por “soluções finais” do tipo “golpe militar” ou “colocar uma bomba no Congresso”
A Nova República que se instalou no Brasil no início de 1985 deveria ser o princípio de uma transição democrática com o fim do regime militar. Mas o resultado foi que o País chegava a 1990 com inflação de 82% ao mês e aos inimagináveis 4.922% ao ano. Na atualidade, jovens na faixa dos 20 anos não conseguem imaginar o que era em um país onde o dinheiro que se tinha só dava para comprar a metade do que se poderia adquirir 30 dias antes.
O overnight (aplicação financeira que rendia taxas de juros diárias, e não mensais como habitualmente acontece hoje em dia) que acabou virando referência para o aumento dos preços virou o símbolo de uma cultura do “salve-se quem puder”, da ausência de expectativas em relação ao futuro e do viver cada dia como se fosse o último.
Partindo dos estudos das relações entre cultura e inflação feitas pelo cientista político Elias Canetti, Bernd Widdig no seu livro Culture and Inflation in Weimar Germanypropõe um interesse enfoque cultural do dinheiro ao propor uma “semiótica da cultura inflacionária”. Tomando como objeto de análise a histórica hiperinflação da Alemanha no período entre guerras ela vai afirmar que a linguagem do dinheiro é o mais importante medium através do qual a sociedade moderna se comunica. O que acontece quando esse medium perde a confiabilidade e parte-se em pedaços? Que espécies de ansiedades são criadas? Quais energias antes ocultas são liberadas?
Canetti no seu curto ensaio Inflation and The Crowd discorre sobre três dinâmicas culturais inter-relacionadas: a circulação, massificação e depreciação como componentes de um sentimento geral de degradação de si mesmo: quanto maior a aceleração da circulação do dinheiro, mais se incrementa o sentimento de massificação (efeitos de manada, pânico etc.) e tanto maior a depreciação não apenas monetária, mas do próprio indivíduo e do futuro, criando uma razão cínica niilista e hedonista.
Por isso, na crise hiperinflacionária acaba-se criando uma paradoxal convivência de perdedores, poderosos, luxo e ostentação, um mix traumático que acabou produzindo na Alemanha tanto as vanguardas artísticas como o nazifascismo.
Dez anos a mil
No Brasil, psicanalistas como Jurandir Freire Costa em seu texto Narcisismo em Tempos Sombrios de 1988 fazia um diagnóstico do que ele chamou de “pânico narcísico”: o fortalecimento de uma cultura da razão cínica marcada pelo niilismo (a negação do futuro) e hedonismo (a busca de um eterno presente de prazer imediatista e descompromissado). A hiperinflação corroía todas as esperanças de que a transição para a democracia naturalmente levaria o País para o melhor dos mundos.
A poética das bandas de rock dos anos 80 reflete esse cinismo em relação ao futuro em versos como “é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez” (Décadence Avec Élégance do Lobão) ou “devemos nos amar como se não houvesse amanhã” (Pais e Filhos do Legião Urbana) ou o niilismo do Barão Vermelho em Ideologia.
O Punk e o pós-punk chegam atrasados no Brasil (a virada punk dos Titãs com o disco Cabeça Dinossauro ocorre dez anos depois da explosão pop dos Sex Pistols). A estética “No Future” ou “DIY” (Do It Yourself – faça você mesmo) do punk é despolitizada e incorporada à atmosfera sombria de descrença em relação ao futuro e das próprias instituições políticas: “Ladrão por ladrão, vote no Faustão”, caçoava Fausto Silva no programa Perdidos na Noite enquanto a banda Titãs tocava “Lugar Nenhum” – “Não sou brasileiro, não sou estrangeiro. Sou de lugar nenhum”.
Nessa específica edição do Perdidos na Noite, questionados pelo apresentador Fausto Silva sobre a preferência de candidatos à presidência, os componentes dos Titãs se revezam entre a indiferença e o cinismo ao propor como candidatos Hermeto Paschoal e Jorge Mautner.
Dilemas de uma geração
Se a depreciação e massificação produzidas pela hiperinflação alemã na cultura produziu a despolitização (a descrença em relação às instituições de representação e negociação política) que resultou na sedução pelas “soluções finais” e pelo nazifascismo, no Brasil a descrença generalizada na Política nos trouxe o sebastianismo do “caçador de marajás”: a aposta suicida em alguém “diferente de tudo que está aí” e sedução por soluções diretas e sem negociações, representada pela figura trágica de Collor de Mello.
O paradoxo para essa geração niilista e hedonista herdeira do trauma da cultura hiperinflacionária é que o fim do mundo não aconteceu – afinal de contas, o fim do mundo não foi o fim do mundo, parafraseando a música do Lobão. Depois de 30 anos muita coisa mudou no Brasil que o espaço aqui dessa postagem não permite descrever.
Mas o psiquismo dessa geração parece ainda estar preso na cena traumática do passado, repetindo ainda 30 anos depois na cabeça a mesma cena da depreciação, do niilismo e do cinismo. Todos esses roqueiros, agora traduzidos como “neoconservadores”, parecem conviver com os seguintes dilemas:
(a) o mundo não acabou, o País mudou, mas ainda tentam manter o discurso da revolta cínica e desesperançada com a qual chegaram ao estrelato na cultura da hiperinflação da década de 1980.
(b) suas carreiras começaram a entrar em declínio por não conseguirem se reinventar diante da mudança de cenário social e político. De contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
(c) por isso, tornaram-se presas fáceis para o discurso neoconservador atual alimentado pela grande mídia. Em cada coluna de revista, artigo ou declaração para a grande mídia ávida por confirmar sua pauta primordial (o Brasil é uma merda!), seus discursos extemporâneos são repetidos como farsa, como repetição neurótica da velha cena do trauma localizada há 30 anos.
O texto é do sítio Pragmatismo Político. Vale a pena ler.
A guinada conservadora de roqueiros dos anos 80
Por que roqueiros dos anos 80 se tornam neoconservadores? O paradoxo para essa geração niilista e hedonista herdeira do trauma da cultura hiperinflacionária é que o fim do mundo não aconteceu
Fazendo caras feias e rostos vincados, roqueiros dos anos 80 se zangam e protestam dizendo que 30 anos depois, nada mudou no País. Artistas e bandas de rock que na década de 1980, inspirados no punk e pós-punk, se opunham ao regime militar e reivindicavam pelas Diretas Já e democracia. Hoje, queixam-se para uma mídia ávida por declarações conservadoras não só contra o Governo, mas contra a própria instituição da Política e dos políticos. Por que só depois de 30 anos descobriram que o País “só patina ou piora”? Oportunismo em meio de carreiras em declínio? Forma de ganhar visibilidade midiática adotando o neoconservadorismo? Talvez a explicação não seja tão simples: por trás do niilismo e pessimismo fashion desses roqueiros talvez exista a repetição do trauma de uma geração que cresceu sob o impacto da cultura hiperinflacionária dos anos 80. Presos a essa cena de décadas atrás, de contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
Em foto promocional do 18° discos dos Titãs, o grupo posa com caras de maus e vestidos de preto sobre lambretas. “São as caras feias de um Brasil que, vira e mexe não muda”, dá legenda o jornal O Globo. E na matéria o guitarrista (e colunista do próprio jornal) Tony Bellotto, 53, fuzila: “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”. É recorrente a leva de roqueiros dos anos 80 como Lobão, Roger, Dinho Ouro Preto, Léo Jaime entre outros que não só desfilam opiniões catastrofistas e de descrédito não só ao Governo Federal, mas em relação à própria instituição da Política em redes sociais e grande mídia.
A ânsia em se portarem como críticos politicamente incorretos algumas vezes beira ao protofascismo como no episódio da “pegadinha” do colunista da Folha Antônio Prata que, simulando ter aderido ao neoconservadorismo, escreveu sobre uma suposta conspiração de “gays, vândalos, negros, índios e maconheiros” no Brasil do PT. O roqueiro Roger do “Ultraje a Rigor” caiu na “pegadinha” e no twitter congratulou o articulista por “ter culhões”. Roger não entendeu a ironia, na ansiedade de fazer parte da onda neoconservadora na grande mídia.
Em todos esses roqueiros sobreviventes dos anos 1980 dois traços em comum: a carreira em baixa por não conseguirem se reinventar e a paralela conquista de espaços na grande mídia como colunistas de revistas e jornais, repórteres de programas vespertinos como Vídeo Show da TV Globo, banda de apoio a talk showsde stand ups neoconservadores ou jurados de reality show musicais. E os espaços alternativos que ganham na grande mídia crescem na proporção direta em que se expõem como estrelas neoconservadoras que participam da grande editoria que unifica a todos: “o Brasil é uma merda!”.
Para quem foi contemporâneo dessa geração como esse autor que traça essas linhas, é a princípio surpreendente esse posicionamento neoconservador. Uma geração cujas bandas participavam de programas alternativos de TV como Perdidos da Noite (1985-89) de Fausto Silva ou Fábrica do Som (1983-84) do vídeo maker Tadeu Jungle onde exibiam músicas furiosas e discursos críticos contra a ditadura militar e reivindicações viscerais pelas Diretas Já e a democracia na Política.
O que é marcante nesse discurso neoconservador é não só o ódio pelo PT, mas, principalmente, a descrença niilista da própria instituição da Política e da representatividade partidária pela qual reivindicaram há 30 anos.
Como explicar essa guinada ideológica de artistas e bandas de rock que, embalados pelos ventos do punk e pós-punk que sopravam da cultura pop, usaram essa força estética para protestarem contra o regime autoritário e a restrição a eleições diretas para presidente? E também como explicar por que só depois de 30 anos descobriram que o Brasil “ou patina, ou piora”?
Oportunismo? Artistas decadentes que procuram um lugar ao sol da grande mídia conservadora quando veem que suas carreiras estão em declínio? Acredito que a resposta talvez não seja assim tão simplista, mas resida no perfil psicocultural de uma geração que cresceu sob o impacto da hiperinflação da década de 1980
A cultura da hiperinflação
Ainda está por ser escrita uma história do legado que a cultura hiperinflacionária desse período deixou como mácula para toda uma geração. E essa história poderia começar a ser escrita a partir da forma como os expoentes artísticos dessa geração se entregam atualmente e de forma tão voluntariosa à onda neoconservadora e retrofascista que está em crescimento no País com linchamentos, ódio, intolerância e a sedução por “soluções finais” do tipo “golpe militar” ou “colocar uma bomba no Congresso”
A Nova República que se instalou no Brasil no início de 1985 deveria ser o princípio de uma transição democrática com o fim do regime militar. Mas o resultado foi que o País chegava a 1990 com inflação de 82% ao mês e aos inimagináveis 4.922% ao ano. Na atualidade, jovens na faixa dos 20 anos não conseguem imaginar o que era em um país onde o dinheiro que se tinha só dava para comprar a metade do que se poderia adquirir 30 dias antes.
O overnight (aplicação financeira que rendia taxas de juros diárias, e não mensais como habitualmente acontece hoje em dia) que acabou virando referência para o aumento dos preços virou o símbolo de uma cultura do “salve-se quem puder”, da ausência de expectativas em relação ao futuro e do viver cada dia como se fosse o último.
Partindo dos estudos das relações entre cultura e inflação feitas pelo cientista político Elias Canetti, Bernd Widdig no seu livro Culture and Inflation in Weimar Germanypropõe um interesse enfoque cultural do dinheiro ao propor uma “semiótica da cultura inflacionária”. Tomando como objeto de análise a histórica hiperinflação da Alemanha no período entre guerras ela vai afirmar que a linguagem do dinheiro é o mais importante medium através do qual a sociedade moderna se comunica. O que acontece quando esse medium perde a confiabilidade e parte-se em pedaços? Que espécies de ansiedades são criadas? Quais energias antes ocultas são liberadas?
Canetti no seu curto ensaio Inflation and The Crowd discorre sobre três dinâmicas culturais inter-relacionadas: a circulação, massificação e depreciação como componentes de um sentimento geral de degradação de si mesmo: quanto maior a aceleração da circulação do dinheiro, mais se incrementa o sentimento de massificação (efeitos de manada, pânico etc.) e tanto maior a depreciação não apenas monetária, mas do próprio indivíduo e do futuro, criando uma razão cínica niilista e hedonista.
Por isso, na crise hiperinflacionária acaba-se criando uma paradoxal convivência de perdedores, poderosos, luxo e ostentação, um mix traumático que acabou produzindo na Alemanha tanto as vanguardas artísticas como o nazifascismo.
Dez anos a mil
No Brasil, psicanalistas como Jurandir Freire Costa em seu texto Narcisismo em Tempos Sombrios de 1988 fazia um diagnóstico do que ele chamou de “pânico narcísico”: o fortalecimento de uma cultura da razão cínica marcada pelo niilismo (a negação do futuro) e hedonismo (a busca de um eterno presente de prazer imediatista e descompromissado). A hiperinflação corroía todas as esperanças de que a transição para a democracia naturalmente levaria o País para o melhor dos mundos.
A poética das bandas de rock dos anos 80 reflete esse cinismo em relação ao futuro em versos como “é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez” (Décadence Avec Élégance do Lobão) ou “devemos nos amar como se não houvesse amanhã” (Pais e Filhos do Legião Urbana) ou o niilismo do Barão Vermelho em Ideologia.
O Punk e o pós-punk chegam atrasados no Brasil (a virada punk dos Titãs com o disco Cabeça Dinossauro ocorre dez anos depois da explosão pop dos Sex Pistols). A estética “No Future” ou “DIY” (Do It Yourself – faça você mesmo) do punk é despolitizada e incorporada à atmosfera sombria de descrença em relação ao futuro e das próprias instituições políticas: “Ladrão por ladrão, vote no Faustão”, caçoava Fausto Silva no programa Perdidos na Noite enquanto a banda Titãs tocava “Lugar Nenhum” – “Não sou brasileiro, não sou estrangeiro. Sou de lugar nenhum”.
Nessa específica edição do Perdidos na Noite, questionados pelo apresentador Fausto Silva sobre a preferência de candidatos à presidência, os componentes dos Titãs se revezam entre a indiferença e o cinismo ao propor como candidatos Hermeto Paschoal e Jorge Mautner.
Dilemas de uma geração
Se a depreciação e massificação produzidas pela hiperinflação alemã na cultura produziu a despolitização (a descrença em relação às instituições de representação e negociação política) que resultou na sedução pelas “soluções finais” e pelo nazifascismo, no Brasil a descrença generalizada na Política nos trouxe o sebastianismo do “caçador de marajás”: a aposta suicida em alguém “diferente de tudo que está aí” e sedução por soluções diretas e sem negociações, representada pela figura trágica de Collor de Mello.
O paradoxo para essa geração niilista e hedonista herdeira do trauma da cultura hiperinflacionária é que o fim do mundo não aconteceu – afinal de contas, o fim do mundo não foi o fim do mundo, parafraseando a música do Lobão. Depois de 30 anos muita coisa mudou no Brasil que o espaço aqui dessa postagem não permite descrever.
Mas o psiquismo dessa geração parece ainda estar preso na cena traumática do passado, repetindo ainda 30 anos depois na cabeça a mesma cena da depreciação, do niilismo e do cinismo. Todos esses roqueiros, agora traduzidos como “neoconservadores”, parecem conviver com os seguintes dilemas:
(a) o mundo não acabou, o País mudou, mas ainda tentam manter o discurso da revolta cínica e desesperançada com a qual chegaram ao estrelato na cultura da hiperinflação da década de 1980.
(b) suas carreiras começaram a entrar em declínio por não conseguirem se reinventar diante da mudança de cenário social e político. De contemporâneos tornaram-se extemporâneos.
(c) por isso, tornaram-se presas fáceis para o discurso neoconservador atual alimentado pela grande mídia. Em cada coluna de revista, artigo ou declaração para a grande mídia ávida por confirmar sua pauta primordial (o Brasil é uma merda!), seus discursos extemporâneos são repetidos como farsa, como repetição neurótica da velha cena do trauma localizada há 30 anos.
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