Reflexão para quem gosta de usar Cartão de Crédito...trecho extraído de "Capitalismo Parasitário", de Zygmunt Bauman.

"A introdução do cartão de crédito foi um sinal do que viria a seguir. Foram lançados 'no mercado' cerca de 30 anos atrás, com o slogan exaustivo e extremamente sedutor de 'Não adie a realização do seu desejo'. Você deseja alguma coisa, mas não ganha o suficiente para adquiri-la? Nos velhos tempos, felizmente  passados e esquecidos, era preciso adiar a satisfação (e esse adiamento, segundo um dos pais da sociologia moderna, Max Weber, foi o princípio que tornou possível o advento do capitalismo moderno): apertar o cinto, privar-se de certas alegrias, gatar com prudência e frugalidade, colocar o dinheiro economizado na caderneta de poupança e ter esperança, com cuidado e paciência, de conseguir juntar o suficiente para transformar os sonhos em realidade.
Graças a Deus e à benevolência dos bancos, isso já acabou! Com um cartão de crédito, é possível inverter a ordem dos fatores: desfrute agora e pague depois! Com o cartão de crédito você está livre para administrar sua satisfação, para obter as coisas quando desejar, não quando ganhar o suficiente para obtê-las.
Esta era a promessa, só que ela incluía uma cláusula difícil de decifrar, mas fácil de adivinhar, depois de  um momento de reflexão: dizia que todo 'depois', cedo ou tarde, se transformará em 'agora' - os empréstimos terão que ser pagos e o pagamento dos empréstimos, contraídos para afastar a espera do desejo e atender prontamente às velhas aspirações, tornará ainda mais difícil satisfazer os novos anseios. Não pensar no 'depois' significa, como sempre, acumular problemas. [...] Mais cedo ou mais tarde, descobre-se que o desagradável 'adiamento da satisfação' foi substituído por um curto adiamento da punição - que será realmente terrível - por tanta pressa. Qualquer um pode ter o prazer quando quiser, mas acelerar sua chegada não torna o gozo desse prazer mais acessível economicamente. Ao fim e ao cabo, a única coisa que podemos adiar é o momento em que daremos conta dessa triste verdade.
Por mais amarga e deletéria que seja, esta não e a única pequena cláusula anexada à promessa, grafada em letras maiúsculas do 'desfrute agora, pague depois'. Para impedir que o efeito dos cartões de crédito e do crédito fácil se reduza a um lucro que o emprestador só realiza uma vez com cada cliente, a dívida contraída tinha de ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro." (p. 12-13)

Comentários

edilson disse…
Quem não já passou por essa experiência, ou não conhece alguém que passou?
Mas, talvez, seja "menos pior" nossa atualidade. Ao menos assim, quando buscamos enxergar as coisas, constituam-se devires, fugas, vias de escape, rasgos de vida.
Abraço!

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