1967 em Caicó e no Mundo

Sábado, dia 7, foi meu aniversário. Tenho 46 anos. Minha geração conheceu o reinado do telefone fixo e hoje convive com o celular. Conhecemos as máquinas de datilografia Remington e os computadores (passamos pelos toscos editores de texto DOS e todos os Windows, desde o 3.1). Apresento, abaixo, uma pequena lista do que estava acontecendo no ano de 1967, enquanto eu rebuliçava o ventre de Dona Mariquinha até meu nascimento.

Muitos não sabem, mas em janeiro daquele ano, já se havia tentado restituir o direito às eleições diretas para presidente da República, negado pelos ditadores que tomaram o poder três anos antes, em 1o. de abril.

Naquele mesmo mês, o The Doors lançou seu álbum de estréia, que fez algum sucesso de vendas na loja de discos de Seu Emílio Félix, em Caicó. Um mês depois, a Rádio Rural de Caicó fazia os ouvidos da juventude da cidade se deleitarem com os acordes de "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane", recém-lançado em compacto pelos Beatles, e o psicodélico álbum "Surrealistic Pillow", do Jefferson Airplane.

Em 15 de Janeiro, Os Rolling Stones aparecem no show televisivo de Ed Sullivan, o qual pediu (e foi atendido) à banda mudar a letra de "Let's spend the night together" ("Vamos passar a noite juntos") para "Let's spend some time together" ("Vamos passar algum tempo juntos"). Meses mais tarde, em setembro, o The Doors se apresentou no mesmo programa cantando "Light My Fire". Sullivan havia pedido para o grupo trocar uma frase da música ("Girl we couldn't get much higher") mas Jim Morrison cantou a letra original, por isso, o The Doors acabou sendo banido do show. Até hoje os remanescentes da já extinta banda e os próprios Stones relembram que, ao contrário, no Programa Show da Manhã, de Getúlio Costa, na Rádio Rural de Caicó, nada disso foi preciso, o apresentador local, antenado com a contracultura da época disse aos roqueiros: "Isso é besteira do Ed. Aqui em Caicó tá liberado!". Dizem que, por isso, recebeu uma advertência da direção católica da emissora, sem, contudo, deixar de promover a livre expressão musical nas ondas daquela rádio.

Em 22 de Janeiro, Simon e Garfunkel fizeram um concerto ao vivo no Philharmonic Hall em New York, após temporada de ensaios abertos no Cinema Alvorada em Caicó, o que fez com que alguns caicoenses conhecessem em primeira mão alguns dos sucessos que a dupla fez naquele ano.

Quase um mês depois, a ditadura sancionava a lei que regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, ou seja, a chamada Lei de Imprensa, que paradoxalmente impunha censura prévia por agentes federais presentes nas redações dos jornais, emissoras de rádio e televisão.

Em meados de março, essa mesma ditadura teve um novo presidente, o marechal ligado à chamada "linha dura", Costa e Silva, e entra em vigor a Lei de Segurança Nacional e a Constituição de 1967, que delineava o Estado de terror que os militares efetivaram. Naqueles dias tensos, o mais famoso comunista caicoense, Beto Barbeiro, já anunciava aos jovens militantes de esquerda que frequentavam seu salão: "O tempo agora vai fechar, molecada! Em comparação com o que vem por aí, o Estado Novo de Getúlio Vargas foi um alfenin". (ao lado, foto de Beto Barbeiro com dois dos seus mais ardorosos seguidores)

Em 6 de março, morreu, em Budapeste, Zoltán Kodály, compositor, etnomusicólogo, educador, linguista e filósofo da Hungria. Mas eu não sei nada mais além disso sobre essa ilustre figura.

Ainda neste mês, Jimi Hendrix pôs fogo na sua guitarra em um show pela primeira vez (uma das marcas de suas performances em palco). Não foi em nenhum palco nos EUA, mas dentro do Caicó Esporte Clube. Naquele palco histórico, Jimi Hendrix, sofreu queimaduras nas mãos, mas por sorte, foi rapidamente atendido na Maternidade Mãe Quininha, que ficava no outro quarteirão (abaixo foto de Beatles assistindo o referido show).

Em maio, o grande guitarrista lançaria os álbuns "Are You Experienced?" e "Axis: Bold as Love" (do The Jimi Hendrix Experience) que fizeram o mundo parar para prestar atenção ao jeito como aquele negão tocava guitarra. Os seus biógrafos nada dizem, mas nos intervalos dos ensaios para esse álbum, em sua rápida passagem por Caicó, Jimi gostava de frequentar a casa de Dona Odô, para tomar algumas doses a mais (de cachaça, claro!) com os filhos da matriarca daquela carinhosa família que sempre residiu na rua Pires Ferreira. Como todos gostavam de usar aquela cabeleira black power ficava difícil saber quem era Jimi e quem era filho de Dona Odô.

Em Junho, entre 16 e 18, é realizado, como é sabido, o Monterey International Pop Festival, o primeiro festival de rock em larga escala, no qual se projetaram os nomes de Jimi Hendrix e Janis Joplin. Esta última, até se tornar a pop estar na época, passou maus bocados, sendo vítima de bullying entre seus colegas do então Instituto de Educação de Caicó (hoje, Centro Educacional José Augusto), por fugir aos padrões de beleza das meninas da cidade. E por ser baixinha, era tratada pelo horroroso apelido de "Maria Maxixe". Tempos depois a cidade ficou abalada com as notícias de sua morte (e a do Jimi Hendrix também), por overdose de drogas, tendo havido uma missa, celebrada por Pe. Antenor, na Matriz de Santana para os dois jovens músicos mortos.

Mas, sem dúvida, o maior acontecimento nesse mês foi o lançamento do paradigmático álbum dos Beatles Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Considerado um marco na história da música pop/rock, parte do disco teve influência direta da passagem dos rapazes ingleses pelo Seridó, quando tiveram a oportunidade de assistir a avant premiere do depois consagrado show de Jimi Hendrix no Festival de Monterrey, no Cinema Alvorada (que ficava na rua Generina Vale).

Nessa passagem, os Beatles conheceram o chouriço, a buchada, a carne de sol, a macaxeira, o alfenin e se enfronharam pelas matas que circundavam as (então) límpidas e misteriosas águas do Poço de Santana, experimentando umas pílulas que Quinzinho da Farmácia afirmou nunca ter vendido. Ao final das sessões de meditação defronte ao Poço, os cabeludos de Liverpool saíram falando sobre terem visto sereias e outros seres fantásticos. A propósito, quem se atentar a ouvir o álbum, certamente encontrará as referências sonoras dessa experiência que de tão marcante antecipou em alguns meses a viagem que os músicos fizeram, em agosto, para o encontro com o guru Maharishi Mahesh Yogi, em Bangor, Índia.

Em julho daquele ano, enquanto os festejos da Festa de Santana se iniciavam, alguns jovens caicoenses se organizavam para sair em caravana para participarem do movimento conhecido como "The Summer of Love" ("O Verão do Amor") em São Francisco. Vários jovens se reuniram livremente em São Francisco por uma nova experiência social. O Summer of Love foi o marco na contracultura hippie. O hino do Summer of love foi considerado a música "San Francisco (Be Sure to Wear Flowers in Your Hair)" que se tornou um sucesso na voz de Scott McKenzie. ("If you're going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair…If you're going to San Francisco, Summertime will be a love-in there."). Até hoje, não consegui apurar o porque do grupo de jovens ter rapidamente se desinteressado pela viagem (a não ser Dedé Carne Assada que foi o único caicoense que esteve lá), mas desconfio que além da devoção à santa, ao que parece, porque não queriam perder a rica programação cultural da Festa naquele ano. Alguns me disseram: "eu ia bem trocar os banhos no sítio de vovô para ficar naquelas praias sem graça de São Francisco!!!???...nããã...além do mais em Caicó é verão o ano todo...é muito melhor!"

Mas, o que mais aconteceu naquele ano em que morreu o grande Guimarães Rosa e nasceram, além de mim, Marisa Monte e Marcelo D2?

Em Agosto, uma batida policial na casa do guitarrista Keith Richards, ganha repercussão e tanto ele como Mike Jagger são enquadrados por posse de drogas, o que sempre foi negado pelos roqueiros britânicos, os quais sempre se disseram vítimas de uma “armação”. O que é verdade, já que é de conhecimento geral do círculo de amigos da banda que o que a polícia encontrou, na verdade, foi dois ou três quilos de goma de tapioca que Charlie Watts, o baterista da banda, comprou numa de suas andanças pela feira tradicional do sábado, próximo do Mercado Público da cidade.

Naquele ano, tivemos Glauber Rocha desnudando as contradições da sociedade brasileira com o seu “Terra em Transe”, impressionando (e inspirando) o jovem Carlos Augusto Ribeiro Júnior a, posteriormente, filmar “Boi de Prata” em Caicó, além da então jovem Jussara Queiróz. O cinema francês apresentava ao mundo sua musa, Catherine Deneuve, na pele da “Bela da Tarde”, de Luis Buñuel. Segundo pude encontrar em minhas pesquisa, Catherine Deneuve teria feito um “laboratório” no cabaré de Terezinha Raiz em Caicó. Enquanto isso, aqui no Brasil, Zé Celso Martinez Corrêa apresentando seu impactante “O Rei da Vela”, no Teatro Oficina.

A trilha sonora que povoou a cabeça dos pirados caicoenses era composta por Caetano Veloso (com “Alegria, Alegria”) e Gilberto Gil (com “Domingo no Parque”), que inauguravam o tropicalismo. Naqueles dias, era comum ver alguns desses pirados em rodas, debaixo da estátua de José Augusto, na praça que tem o mesmo nome. Hoje em dia, na mesma praça, as pessoas se reúnem, mas para comerem pizza e sanduíche, enquanto assistem as novelas da TV Globo ou vídeos de importantes bandas representativas da moderna música popular brasileira, como os forrozões MerdaComBosta, CalcinhaMenstruada ou CocôComAreia.

1967 foi, também, o ano de lançamento da obra seminal do colombiano Gabriel García Márquez, “Cem Anos de Solidão” e o seu “realismo fantástico”. Lançou-se, também, a pílula anticoncepcional que deixou o sexo mais fantástico e realista. Também tivemos outro lançamento marcante que foi o do jornalista Antônio Calado, com seu “Quarup”.

Frank Sinatra gravava um disco com Tom Jobim, enquanto o exército americano caçava Che Guevara pelas matas bolivianas até encontra-lo e assassiná-lo covardemente em outubro.

A ciência provava que além do amor, era possível, também transplantar o coração de uma pessoa para outra, através de operação realizada pelo médico sul-africano Christian Barnard. Ele transplantou o coração de uma jovem de 25 anos para um homem de 55 anos. Um feito cujas manchetes, Bolo-Bolo anunciou esgoelando-se subindo e descendo a avenida Cel. Martiniano.

Aos amigos que acompanharam esta leitura até aqui, fica meu agradecimento pelos sentimentos demonstrados de afeto a este escriba e suas fantasias. A todos meu carinho mais profundo.