Razões da fé
Segundo Weber, o capitalismo instituiu uma racionalidade que "desencantou" o mundo. O mundo moderno confirmou as prédicas iluministas e o positivismo/cartesianismo pensou ter enterrado qualquer possibilidade de que o pensamento teológico pudesse reinar na cabeça dos homens como matriz de explicação do mundo. Mas, a contemporaneidade tem a marca do que alguns chamam de pós-modernismo: uma paisagem cultural e intelectual onde bricolagens, misturas, re-leituras, fusões, multiculturalismo e outras proezas que a mente humana é capaz de realizar ganham força e se enraízam no fazer-pensar dos humanos.
Caminhando contra o vento, sem lenço nem documentos, nesse sol de meio de maio, pensando essas coisas todas, eis que me cai a história a seguir (extraída de brasilianas.org) que evidencia como o jogo entre fé e razão se confundem, nesses tempos pós qualquer coisa, e se impõem de forma sutil, real, cômica e cotidiana.
Em Aquiraz, no Ceará, dona Tarcília Bezerra resolve expandir seu negócio. O seu cabaré precisava de um "upgrade". Suas atividades estavam em constante crescimento e o espaço físico já não comportava a procura acentuada de clientes, evidente após a criação de seguro desemprego para pescadores e vários outros tipos de bolsas que os últimos governos tem, sabiamente, criado e massificado, impulsionando, assim, o mercado interno e aquecendo a economia de municípios como Aquiraz.
A resposta fundamentalista de viés religioso ao impulso empreendedor e a racionalidade capitalista de dona Tarcília não tardou. A Igreja Universal local iniciou uma forte campanha para bloquear a expansão da "Casa das Primas" de dona Tarcília, com sessões de oração em sua igreja, de manhã, à tarde e à noite. Desrespeitaram os anos de serviços educativos prestados por ela e suas meninas, iniciadoras da sexualidade de tantos e tantos locais, sem falar nas inúmeras gestalts que noites de alegria e prazer provocaram em rapazes atravessados pelo sentimento de rejeição e desamor. Tudo isso num exercício cotidiano (e noturno) de tolerância (inclusive religiosa), já que para frequentar aquele lugar nada era (ou é) exigido, a não ser o correto pagamento do que foi consumido e consumado.
O trabalho de ampliação e reforma do empreendimento progredia célere e dona Tarcília não se continha em si diante da data de reinauguração. Até que uma semana antes da tal solenidade, o inusitado aconteceu. Já se havia passado os quatro primeiros meses do ano, sem que a chuva, sempre esperada nesse período, tivesse dado algum sinal. E eis que num dia de pouco sol, junto com alguns poucos pingos d'água, um raio rasgou o céu da cidade que já foi território potiguara e se dirigiu feroz contra o cabaré, queimando as instalações elétricas e provocando um incêndio que destruiu o telhado e grande parte da construção.
No mesmo dia, enquanto dona Tarcília contabilizava os prejuízos e as "primas" buscavam recuperar o que podiam debaixo dos escombros, o representante luterano de Deus, e os seus fiéis seguidores da igreja, entoaram cânticos e por onde passavam, se gabavam, orgulhosos, "do grande poder da oração".
Ainda chamuscada de ressentimentos e empoeirada com tanta balbúrdia sobre suas perdas, dona Tarcília fez o que qualquer cidadão moderno, conhecedor de seus direitos civis, faria diante de uma perda causada pela ação deletéria de outros cidadãos: processou-os. No caso, a igreja, o pastor e toda a congregação, a partir do fundamento de que eles "foram os responsáveis pelo fim de seu prédio e de seu negócio, utilizando-se da intervenção divina, direta ou indireta e das ações ou meios.”
Atordoados com a inesperada decisão e ação da empreendedora, a igreja, na sua resposta à ação judicial, negou veementemente toda e qualquer responsabilidade ou qualquer ligação com o ocorrido no prédio que abrigava o negócio de dona Tarcília. Sem perceber, abriram a possibilidade do entendimento de que ou acreditavam que, na verdade, houvera um fenômeno natural, explicável sem o uso do pensamento teológico e que independe da ação humana, ou - o que seria bem mais complicado para dona Tarcília - que o próprio Deus devesse ser processado.
Na audiência de abertura do processo, o juiz a quem cabia a condução do mesmo leu a reclamação da autora e a resposta dos réus e ainda sem saber exatamente como proceder, teria comentado:
“ - Eu não sei como vou decidir neste caso, mas uma coisa está patente nos autos. Temos aqui uma proprietária de um cabaré que firmemente acredita no poder das orações e uma igreja inteira declarando que as orações não valem nada!”.
Pois é...enquanto isso, no reino dos céus, as opiniões se dividem, e as buscas em torno da autoria do tal raio avançam sem resposta.
Caminhando contra o vento, sem lenço nem documentos, nesse sol de meio de maio, pensando essas coisas todas, eis que me cai a história a seguir (extraída de brasilianas.org) que evidencia como o jogo entre fé e razão se confundem, nesses tempos pós qualquer coisa, e se impõem de forma sutil, real, cômica e cotidiana.
Em Aquiraz, no Ceará, dona Tarcília Bezerra resolve expandir seu negócio. O seu cabaré precisava de um "upgrade". Suas atividades estavam em constante crescimento e o espaço físico já não comportava a procura acentuada de clientes, evidente após a criação de seguro desemprego para pescadores e vários outros tipos de bolsas que os últimos governos tem, sabiamente, criado e massificado, impulsionando, assim, o mercado interno e aquecendo a economia de municípios como Aquiraz.
A resposta fundamentalista de viés religioso ao impulso empreendedor e a racionalidade capitalista de dona Tarcília não tardou. A Igreja Universal local iniciou uma forte campanha para bloquear a expansão da "Casa das Primas" de dona Tarcília, com sessões de oração em sua igreja, de manhã, à tarde e à noite. Desrespeitaram os anos de serviços educativos prestados por ela e suas meninas, iniciadoras da sexualidade de tantos e tantos locais, sem falar nas inúmeras gestalts que noites de alegria e prazer provocaram em rapazes atravessados pelo sentimento de rejeição e desamor. Tudo isso num exercício cotidiano (e noturno) de tolerância (inclusive religiosa), já que para frequentar aquele lugar nada era (ou é) exigido, a não ser o correto pagamento do que foi consumido e consumado.
O trabalho de ampliação e reforma do empreendimento progredia célere e dona Tarcília não se continha em si diante da data de reinauguração. Até que uma semana antes da tal solenidade, o inusitado aconteceu. Já se havia passado os quatro primeiros meses do ano, sem que a chuva, sempre esperada nesse período, tivesse dado algum sinal. E eis que num dia de pouco sol, junto com alguns poucos pingos d'água, um raio rasgou o céu da cidade que já foi território potiguara e se dirigiu feroz contra o cabaré, queimando as instalações elétricas e provocando um incêndio que destruiu o telhado e grande parte da construção.
No mesmo dia, enquanto dona Tarcília contabilizava os prejuízos e as "primas" buscavam recuperar o que podiam debaixo dos escombros, o representante luterano de Deus, e os seus fiéis seguidores da igreja, entoaram cânticos e por onde passavam, se gabavam, orgulhosos, "do grande poder da oração".
Ainda chamuscada de ressentimentos e empoeirada com tanta balbúrdia sobre suas perdas, dona Tarcília fez o que qualquer cidadão moderno, conhecedor de seus direitos civis, faria diante de uma perda causada pela ação deletéria de outros cidadãos: processou-os. No caso, a igreja, o pastor e toda a congregação, a partir do fundamento de que eles "foram os responsáveis pelo fim de seu prédio e de seu negócio, utilizando-se da intervenção divina, direta ou indireta e das ações ou meios.”
Atordoados com a inesperada decisão e ação da empreendedora, a igreja, na sua resposta à ação judicial, negou veementemente toda e qualquer responsabilidade ou qualquer ligação com o ocorrido no prédio que abrigava o negócio de dona Tarcília. Sem perceber, abriram a possibilidade do entendimento de que ou acreditavam que, na verdade, houvera um fenômeno natural, explicável sem o uso do pensamento teológico e que independe da ação humana, ou - o que seria bem mais complicado para dona Tarcília - que o próprio Deus devesse ser processado.
Na audiência de abertura do processo, o juiz a quem cabia a condução do mesmo leu a reclamação da autora e a resposta dos réus e ainda sem saber exatamente como proceder, teria comentado:
“ - Eu não sei como vou decidir neste caso, mas uma coisa está patente nos autos. Temos aqui uma proprietária de um cabaré que firmemente acredita no poder das orações e uma igreja inteira declarando que as orações não valem nada!”.
Pois é...enquanto isso, no reino dos céus, as opiniões se dividem, e as buscas em torno da autoria do tal raio avançam sem resposta.
Comentários
um abraço!
Kelly
Marcos S. Casado