"Porque eles são de esquerda", um conto distópico de Edmilson Lopes Júnior.
Olá amigos e amigas,
Enfiado numa rotina que me consome e não me deixa à vontade para escrever tudo o que tenho sobre tudo o que vejo e porque passo, acabo reproduzindo textos de outrém, mas só os que quando leio penso: "como eu gostaria de ter escrito isso". É o caso do texto abaixo, escrito pelo grande colega Edmilson Lopes Júnior, professor do Depto. de Ciências Sociais, do qual guardo apreço e admiração pelo bom humor e inteligência.
O texto que reproduzo abaixo (cuja inspiração brechtiana é evidente) e que pode ser encontrado, também, no blog dele (blog do edmilson lopes) é, ao meu ver, perfeito em refletir sobre as práticas da "esquerdoida" que se organiza nesses tempos sombrios, com o respaldo do chamado "pensamento crítico" universitário, e que tem propiciado cenas e atos de profundo autoritarismo, como os que foram vistos na última reunião do CONSUNI para deliberação sobre a gestão dos hospitais universitários.
"Porque eles são de esquerda... (a UFRN em 2014)
O depoimento abaixo, jogado por uma máquina do tempo, foi escrito em agosto de 2014. Dada a contundência dos fatos relatados, achei que deveria socializar com vocês. É longo, mas vale a pena lê-lo até o final
Eu sabia que, em greves passadas, eles haviam invadido unidades hospitalares e constrangido usuários e profissionais que queriam trabalhar. Mas, como também sabia que eles eram de esquerda, relevei. Coisas do embate político, pensei na época.
Eu sabia que eles impediam matrículas de alunos, fechavam garagens e ameaçavam veladamente os que a eles se impunham. Coisas da luta sindical, foi o pensamento que me conformou. Incomodei-me um pouco, é certo, mas segui adiante.
Em 2012, eles disseram que iam radicalizar. Jogo pesado contra o Governo Dilma, disseram. E até colocaram faixas com chantagens a respeito de matrículas e início das aulas. Ninguém se incomodou, nem eu. E queriam que os professores da UFRN entrassem em greve. Seríamos traidores se não os seguíssemos. Estão exagerando um pouco, foi o que me veio à cabeça. Mas, depois, com mais tranquilidade, construí o seguinte raciocínio: até que esse governo merece um recado.
Eles encontraram apoios e chamaram os professores para uma reunião paralela para construir a greve. A reunião foi no Centro de Convivência. Quase ninguém foi lá. Aí teve uma assembleia e eles não apareceram, mas mandaram os “estudantes livres”, que também são de esquerda. Esses até agitaram as coisas um pouquinho, berraram e partiram para as agressões verbais contra a diretoria da ADURN. Bom, eu não era muito próximo mesmo desse pessoal da ADURN, por que diabos eu iria lamentar?. E, afinal de contas, os combativos são de esquerda... Relevei.
E aí veio um plebiscito. “Agora”, eles disseram, “teremos uma greve de toda a comunidade da UFRN”. Mas a greve não veio. O plebiscito não referendou a greve. Eles vociferaram contra a “pelegada da UFRN”. Alguns colegas professores apelaram para o moralismo e disseram que tinham “vergonha” de ser da UFRN. Também senti vergonha. Mas até que me senti aliviado, afinal de contas, a gente sabe bem: greve é sempre prejudicial e não há recuperação possível paras as perdas que nelas acumulamos. Por fora, eu lamentava; no íntimo, comemorava. Mas continuei simpático a eles, pois eles são de esquerda...
E eles estavam capitaneando uma grande greve bem bombada. Radicalizada, diziam. Unidades inteiras funcionavam normalmente, mas a greve era forte, eles asseguravam. Para radicalizar, eles passaram a fechar setores e impedir atividades. Aquilo me desgostava, mas eu não era dirigente da UFRN, então, deixei pra lá.
Nas atividades radicalizadas, eu percebia que eles estavam bem estruturados. Havia um grupo com coletes pretos que garantia, no braço, a tal radicalidade. Coisa de esquerda? Eu fiquei meio receoso. As suas roupas e suas atitudes lembravam uma milícia, mas logo eu afugentava esse pensamento. Ora, ora, que é isso? Afinal, eles são de esquerda, eu me recriminava. Muito embora, em algumas madrugadas, eu acordasse suado, agitado, após um pesadelo no qual os camisas pretas da UFRN gargalhavam abraçados com os fantasmas dos “camisas pretas” de certo histriônico líder italiano...
A cada dia, eles fechavam um setor. Brigaram contra estudantes que queriam se matricular e ameaçaram funcionários da PROGRAD que iriam recepcionar os calouros. Efeitos colaterais da luta, pensei. Ora, eles são de esquerda e os seus objetivos finais são moralmente superiores.
Um dia, meio cinzento, eles fecharam a biblioteca. Aquilo me doeu, de verdade. Especialmente quando eu vi os homens de colete preto, a tal milícia, impedindo o acesso dos estudantes aos livros. Minha mãe dizia para eu temer sempre, sempre, quem odeia os livros. Pensei nisso. Mas, naquele dia, eu relevei, pois, afinal, eles eram de esquerda.
Depois, soube que alguns colegas, que são companheiros de viagem deles, haviam tomado de assalto assembleias de docentes na Bahia e em Goiás e tirado, no muque, o tal PROIFES da direção das entidades. Eles estão exagerando um pouco, foi o que pensei. Mas, lembro-me bem, também fiquei um pouco satisfeito, pois, afinal, sempre fui crítico do “poder”... Eles romperam as regras democráticas, mas, afinal, são de esquerda.
Terminada a greve, eles começaram a intimidar alguns chefes de departamentos e unidades. Qualquer crítica ou solicitação a um funcionário, o infeliz “autoritário” era denunciada como autor de “assédio moral”. Não gostei muito, mas, pensei, esse é o efeito colateral de ter um sindicato combativo na nossa instituição.
Em 31 de outubro de 2012, para impedir a aprovação da adesão da UFRN À EBSERH, eles acabaram, na força, uma reunião do CONSUNI. Enganaram alunos e professores de uma escola pública e os jogaram no Auditório da Reitoria no meio dos homens de coletes, que, naquele dia, não estavam com coletes pretos, e, sim, com leves camisetas com dizeres em “defesa dos hospitais universitários”. Os pobres estudantes, amedrontados, quiseram sair. Uma voz, em um microfone, apelou: “pessoal, fiquem, pois, depois que terminar, a gente distribui o lanche...”.
Eles também trouxeram seus amigos de outras paragens. E esses companheiros deles eram bastante combativos. Profissionais. Os conselheiros foram constrangidos por apupos e agressões verbais. Com dedos em riste, diretores de centro e representantes docentes foram, digamos, admoestados da inteireza política e moral das propostas deles. Quando eles começaram a fazer discursos de ódio contra os professores, os médicos e os enfermeiros (“gente de elite” que, segundo eles, será beneficiada pela EBSERH), eu duvidei que eles estivessem fazendo a coisa certa. Mas, espera um pouco aí, eles são de esquerda...
Quando a proposta deles, de um plebiscito, foi derrotada, eles decidiram acabar com a reunião do CONSUNI. Eles tomaram de assalto o palco do Auditório e passaram a fazer ameaças veladas aos conselheiros. A Reitora ainda tentou reiniciar os trabalhos, mas eles já haviam começado a esmurrar a mesa. Um deles, percebi que um combativo companheiro de outras paragens, movido para a atividade pela mais sincera solidariedade de classe, ainda tentou convencer os demais a arrancar mesa. Até tentaram, mas a estrutura é bem sólida ali...
Bom, eu não sou conselheiro do CONSUNI, não sou do PROIFES, nem da ADURN e nem gestor da UFRN e nem chefe de nada, então, fiquei na minha. Tive minhas dúvidas sobre o pertencimento deles à esquerda, mas fui tocar a minha vida.
Em 2013, durante a longa greve de oito meses, eles fecharam por dois meses os setores de aula. Os estudantes da ANEL, seus companheiros de viagem, começaram a ameaçar fisicamente os colegas que teimassem em assistir aulas. Professores de esquerda pós-pós e descolados os apoiaram entusiasmadamente. Um deles me disse que eles expressavam o “vitalismo reprimido da modernidade”. Citou alguns autores franceses pós-estruturalistas para justificar a fogueira que eles fizeram com parte dos livros da biblioteca.
Terminada a greve, eles, com apoio de combativos parlamentares de esquerda da Câmara Municipal de Natal, criaram uma comissão para monitorar a equanimidade nas relações entre professores e funcionários. Com apoio dos homens de colete preto, passaram a fechar laboratórios de pesquisa, pois os mesmos “seriam entrepostos do Capital” dentro da Universidade. Bom, eu não chefio laboratório nenhum, então, fiquei na minha.
Agora, em março de 2014, eles passaram a ajudar os estudantes da ANEL em um acompanhamento sistemático das aulas proferidas na Universidade. O objetivo é nobre: adequar os conteúdos das disciplinas às práticas antiautoritárias. Lá pelas bandas do CCHLA, os professores de direita, que trabalham com autores como Weber, Sen, Schumpeter e quetais foram expulsos de sala de aula. Em nome da qualidade de ensino. Os pós-pós falaram em “purificação”. Um desses colegas, que havia vibrado, com a possiblidade de a UFRN pegar fogo em 2012, retomou a litania do vitalismo. Bom, eu não sou professor do CCHLA, então, nada disso me toca. Não tenho laboratório e nem sou do Azulão, então... E os caras são de esquerda. E estão com uma força política danada...
Em abril, meu mundo ruiu. Fui denunciado. Cometi o erro de reprovar por falta três alunos que não frequentaram as minhas aulas. Eu não sabia que os estudantes eram companheiros deles. Agora, eles me denunciaram por assédio moral e o chefe de departamento, pressionado pelos homens de colete preto, me disse, meio envergonhado, que eu teria que responder a um inquérito administrativo. Fiquei desesperado: quem me ajudaria?
E eu que sempre fui cúmplice deles, fiquei só durante um tempo. Dias tenebrosos aqueles. Afinal, todos os que podiam se contrapor a eles haviam sido derrotados. No início de maio, eles me procuraram. Eram três homens de colete preto e uma moça com uma camiseta com dizeres contra a privatização de alguma coisa, que eu não me lembro mais. Vieram dizer-me que gostavam de mim, e que iriam dar um jeito de retirar as acusações que infernizavam meus dias. Em troca, teria apenas que denunciar alguns colegas por assédio moral contra funcionários... Aceitei. Quando eles saíram, corri para o sanitário e vomitei. Depois, lavei o rosto e fui tomar um café na Cooperativa Cultural.
Mais tarde, refeito, afastei os maus pensamentos da cabeça e me agarrei na seguinte ideia: eu estou salvo, estou do lado deles e eles são de esquerda. Esse pensamento acalenta parte dos meus dias. Pena que não dure muito tempo. Desde junho, tenho bebido quase diariamente. Essa é a forma de aguentar os dias que me restam até a minha redentora aposentadoria. E eles continuam me pedindo coisas e favores. Minhas ânsias de vômitos são constantes. Minhas aulas, uma porcaria. Mas eles estão comigo. O pessoal da ANEL me trata como “companheiro”. Vou sobreviver."
Enfiado numa rotina que me consome e não me deixa à vontade para escrever tudo o que tenho sobre tudo o que vejo e porque passo, acabo reproduzindo textos de outrém, mas só os que quando leio penso: "como eu gostaria de ter escrito isso". É o caso do texto abaixo, escrito pelo grande colega Edmilson Lopes Júnior, professor do Depto. de Ciências Sociais, do qual guardo apreço e admiração pelo bom humor e inteligência.
O texto que reproduzo abaixo (cuja inspiração brechtiana é evidente) e que pode ser encontrado, também, no blog dele (blog do edmilson lopes) é, ao meu ver, perfeito em refletir sobre as práticas da "esquerdoida" que se organiza nesses tempos sombrios, com o respaldo do chamado "pensamento crítico" universitário, e que tem propiciado cenas e atos de profundo autoritarismo, como os que foram vistos na última reunião do CONSUNI para deliberação sobre a gestão dos hospitais universitários.
"Porque eles são de esquerda... (a UFRN em 2014)
O depoimento abaixo, jogado por uma máquina do tempo, foi escrito em agosto de 2014. Dada a contundência dos fatos relatados, achei que deveria socializar com vocês. É longo, mas vale a pena lê-lo até o final
Eu sabia que, em greves passadas, eles haviam invadido unidades hospitalares e constrangido usuários e profissionais que queriam trabalhar. Mas, como também sabia que eles eram de esquerda, relevei. Coisas do embate político, pensei na época.
Eu sabia que eles impediam matrículas de alunos, fechavam garagens e ameaçavam veladamente os que a eles se impunham. Coisas da luta sindical, foi o pensamento que me conformou. Incomodei-me um pouco, é certo, mas segui adiante.
Em 2012, eles disseram que iam radicalizar. Jogo pesado contra o Governo Dilma, disseram. E até colocaram faixas com chantagens a respeito de matrículas e início das aulas. Ninguém se incomodou, nem eu. E queriam que os professores da UFRN entrassem em greve. Seríamos traidores se não os seguíssemos. Estão exagerando um pouco, foi o que me veio à cabeça. Mas, depois, com mais tranquilidade, construí o seguinte raciocínio: até que esse governo merece um recado.
Eles encontraram apoios e chamaram os professores para uma reunião paralela para construir a greve. A reunião foi no Centro de Convivência. Quase ninguém foi lá. Aí teve uma assembleia e eles não apareceram, mas mandaram os “estudantes livres”, que também são de esquerda. Esses até agitaram as coisas um pouquinho, berraram e partiram para as agressões verbais contra a diretoria da ADURN. Bom, eu não era muito próximo mesmo desse pessoal da ADURN, por que diabos eu iria lamentar?. E, afinal de contas, os combativos são de esquerda... Relevei.
E aí veio um plebiscito. “Agora”, eles disseram, “teremos uma greve de toda a comunidade da UFRN”. Mas a greve não veio. O plebiscito não referendou a greve. Eles vociferaram contra a “pelegada da UFRN”. Alguns colegas professores apelaram para o moralismo e disseram que tinham “vergonha” de ser da UFRN. Também senti vergonha. Mas até que me senti aliviado, afinal de contas, a gente sabe bem: greve é sempre prejudicial e não há recuperação possível paras as perdas que nelas acumulamos. Por fora, eu lamentava; no íntimo, comemorava. Mas continuei simpático a eles, pois eles são de esquerda...
E eles estavam capitaneando uma grande greve bem bombada. Radicalizada, diziam. Unidades inteiras funcionavam normalmente, mas a greve era forte, eles asseguravam. Para radicalizar, eles passaram a fechar setores e impedir atividades. Aquilo me desgostava, mas eu não era dirigente da UFRN, então, deixei pra lá.
Nas atividades radicalizadas, eu percebia que eles estavam bem estruturados. Havia um grupo com coletes pretos que garantia, no braço, a tal radicalidade. Coisa de esquerda? Eu fiquei meio receoso. As suas roupas e suas atitudes lembravam uma milícia, mas logo eu afugentava esse pensamento. Ora, ora, que é isso? Afinal, eles são de esquerda, eu me recriminava. Muito embora, em algumas madrugadas, eu acordasse suado, agitado, após um pesadelo no qual os camisas pretas da UFRN gargalhavam abraçados com os fantasmas dos “camisas pretas” de certo histriônico líder italiano...
A cada dia, eles fechavam um setor. Brigaram contra estudantes que queriam se matricular e ameaçaram funcionários da PROGRAD que iriam recepcionar os calouros. Efeitos colaterais da luta, pensei. Ora, eles são de esquerda e os seus objetivos finais são moralmente superiores.
Um dia, meio cinzento, eles fecharam a biblioteca. Aquilo me doeu, de verdade. Especialmente quando eu vi os homens de colete preto, a tal milícia, impedindo o acesso dos estudantes aos livros. Minha mãe dizia para eu temer sempre, sempre, quem odeia os livros. Pensei nisso. Mas, naquele dia, eu relevei, pois, afinal, eles eram de esquerda.
Depois, soube que alguns colegas, que são companheiros de viagem deles, haviam tomado de assalto assembleias de docentes na Bahia e em Goiás e tirado, no muque, o tal PROIFES da direção das entidades. Eles estão exagerando um pouco, foi o que pensei. Mas, lembro-me bem, também fiquei um pouco satisfeito, pois, afinal, sempre fui crítico do “poder”... Eles romperam as regras democráticas, mas, afinal, são de esquerda.
Terminada a greve, eles começaram a intimidar alguns chefes de departamentos e unidades. Qualquer crítica ou solicitação a um funcionário, o infeliz “autoritário” era denunciada como autor de “assédio moral”. Não gostei muito, mas, pensei, esse é o efeito colateral de ter um sindicato combativo na nossa instituição.
Em 31 de outubro de 2012, para impedir a aprovação da adesão da UFRN À EBSERH, eles acabaram, na força, uma reunião do CONSUNI. Enganaram alunos e professores de uma escola pública e os jogaram no Auditório da Reitoria no meio dos homens de coletes, que, naquele dia, não estavam com coletes pretos, e, sim, com leves camisetas com dizeres em “defesa dos hospitais universitários”. Os pobres estudantes, amedrontados, quiseram sair. Uma voz, em um microfone, apelou: “pessoal, fiquem, pois, depois que terminar, a gente distribui o lanche...”.
Eles também trouxeram seus amigos de outras paragens. E esses companheiros deles eram bastante combativos. Profissionais. Os conselheiros foram constrangidos por apupos e agressões verbais. Com dedos em riste, diretores de centro e representantes docentes foram, digamos, admoestados da inteireza política e moral das propostas deles. Quando eles começaram a fazer discursos de ódio contra os professores, os médicos e os enfermeiros (“gente de elite” que, segundo eles, será beneficiada pela EBSERH), eu duvidei que eles estivessem fazendo a coisa certa. Mas, espera um pouco aí, eles são de esquerda...
Quando a proposta deles, de um plebiscito, foi derrotada, eles decidiram acabar com a reunião do CONSUNI. Eles tomaram de assalto o palco do Auditório e passaram a fazer ameaças veladas aos conselheiros. A Reitora ainda tentou reiniciar os trabalhos, mas eles já haviam começado a esmurrar a mesa. Um deles, percebi que um combativo companheiro de outras paragens, movido para a atividade pela mais sincera solidariedade de classe, ainda tentou convencer os demais a arrancar mesa. Até tentaram, mas a estrutura é bem sólida ali...
Bom, eu não sou conselheiro do CONSUNI, não sou do PROIFES, nem da ADURN e nem gestor da UFRN e nem chefe de nada, então, fiquei na minha. Tive minhas dúvidas sobre o pertencimento deles à esquerda, mas fui tocar a minha vida.
Em 2013, durante a longa greve de oito meses, eles fecharam por dois meses os setores de aula. Os estudantes da ANEL, seus companheiros de viagem, começaram a ameaçar fisicamente os colegas que teimassem em assistir aulas. Professores de esquerda pós-pós e descolados os apoiaram entusiasmadamente. Um deles me disse que eles expressavam o “vitalismo reprimido da modernidade”. Citou alguns autores franceses pós-estruturalistas para justificar a fogueira que eles fizeram com parte dos livros da biblioteca.
Terminada a greve, eles, com apoio de combativos parlamentares de esquerda da Câmara Municipal de Natal, criaram uma comissão para monitorar a equanimidade nas relações entre professores e funcionários. Com apoio dos homens de colete preto, passaram a fechar laboratórios de pesquisa, pois os mesmos “seriam entrepostos do Capital” dentro da Universidade. Bom, eu não chefio laboratório nenhum, então, fiquei na minha.
Agora, em março de 2014, eles passaram a ajudar os estudantes da ANEL em um acompanhamento sistemático das aulas proferidas na Universidade. O objetivo é nobre: adequar os conteúdos das disciplinas às práticas antiautoritárias. Lá pelas bandas do CCHLA, os professores de direita, que trabalham com autores como Weber, Sen, Schumpeter e quetais foram expulsos de sala de aula. Em nome da qualidade de ensino. Os pós-pós falaram em “purificação”. Um desses colegas, que havia vibrado, com a possiblidade de a UFRN pegar fogo em 2012, retomou a litania do vitalismo. Bom, eu não sou professor do CCHLA, então, nada disso me toca. Não tenho laboratório e nem sou do Azulão, então... E os caras são de esquerda. E estão com uma força política danada...
Em abril, meu mundo ruiu. Fui denunciado. Cometi o erro de reprovar por falta três alunos que não frequentaram as minhas aulas. Eu não sabia que os estudantes eram companheiros deles. Agora, eles me denunciaram por assédio moral e o chefe de departamento, pressionado pelos homens de colete preto, me disse, meio envergonhado, que eu teria que responder a um inquérito administrativo. Fiquei desesperado: quem me ajudaria?
E eu que sempre fui cúmplice deles, fiquei só durante um tempo. Dias tenebrosos aqueles. Afinal, todos os que podiam se contrapor a eles haviam sido derrotados. No início de maio, eles me procuraram. Eram três homens de colete preto e uma moça com uma camiseta com dizeres contra a privatização de alguma coisa, que eu não me lembro mais. Vieram dizer-me que gostavam de mim, e que iriam dar um jeito de retirar as acusações que infernizavam meus dias. Em troca, teria apenas que denunciar alguns colegas por assédio moral contra funcionários... Aceitei. Quando eles saíram, corri para o sanitário e vomitei. Depois, lavei o rosto e fui tomar um café na Cooperativa Cultural.
Mais tarde, refeito, afastei os maus pensamentos da cabeça e me agarrei na seguinte ideia: eu estou salvo, estou do lado deles e eles são de esquerda. Esse pensamento acalenta parte dos meus dias. Pena que não dure muito tempo. Desde junho, tenho bebido quase diariamente. Essa é a forma de aguentar os dias que me restam até a minha redentora aposentadoria. E eles continuam me pedindo coisas e favores. Minhas ânsias de vômitos são constantes. Minhas aulas, uma porcaria. Mas eles estão comigo. O pessoal da ANEL me trata como “companheiro”. Vou sobreviver."
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