Rio + 20...duas visões e uma visão do Planeta Água
A Conferência Rio + 20 foi encerrada no fim de semana passado e com o seu final vimos versões distintas dos seus resultados: uns que avaliam que ela foi um completo fracasso e outros que compreendem que dentro dos atuais limites históricos ela representou um avanço. Aqui trago duas visões sobre isso (ambas extraídas do sítio Carta Maior) e ainda um vídeo do Grupo Acorde, de seu espetáculo de quinta passada, no momento em que o grupo - atento a esse debate - fez uma comovente interpretação da linda música "Planeta Água", de Guilherme Arantes, uma ode ambientalista, cantada (e ovacionada) em um festival de música, em 1980.
Leiam os textos e vejam o vídeo (não necessariamente nesta ordem).
Abraços a todos
"RIO +20: A CONFERÊNCIA QUE NÃO ACONTECEU...
Francisco Carlos Teixeira
Rio de Janeiro - Aterro do Flamengo, Pavilhão dos Povos do Mundo, Rio - Ao longo desta quinta-feira, dia 21/06/2012, quando se esperava uma intervenção mais firme e objetiva de chefes de estado e do governo sobre o documento final da Conferência Rio+20, nada aconteceu. A intervenção, clara e direta, do Presidente François Hollande, incluindo aí a cobrança de um imposto sobre os capitais especulativos que giram pelo mundo (e que são em grande parte responsáveis pela atual crise mundial), a inusitada manifestação de decepção do Secretário-Geral da ONU Bam Ki-moon e, o anúncio pela Rede Climática Mundial – cerca de mil entidades civis de ação contra o Aquecimento Global - de retirar sua assinatura do documento final (o que na prática significa que a Conferência Rio+20 não é mais uma conferência dos povos do mundo) não sensibilizaram os diplomatas e chefes de estado e de governo no Riocentro. Os povos do mundo aqui reunidos rebelaram-se contra os diplomatas e assessores insensíveis. O tic-tac do tempo irreversível foi anunciado no Riocentro ante uma plateia insensível.
O que ficou “descombinado”: os direitos das mulheres
O Documento Base da Conferencia Rio+20, chamado originalmente de Rascunho Zero, deveria ser a base para o comunicado final da conferência, a ser assinado pelos representantes das nações aqui reunidas e das diversas entidades civis que lutam contra a “economia fóssil”.
Contudo, nos dias que precederam a reunião dos chefes de estado e de governo a diplomacia anfitriã, no caso o Itamaraty, decidiu-se em face de fortes resistências por uma proposta dita consensual. Na verdade, o que se fez neste documento foi eliminar todos os pontos que sofriam alguma restrição. Ora, as restrições eram apontadas exatamente naqueles itens que eram inovadores, que obrigavam a mudanças e contrariavam interesses literalmente “fossilizados”, viciados no padrão de produção e consumo predatório originado na Revolução Industrial do século XVIII.
Os pontos principais relegados no Documento Final pertencem a três grupos principais de resistências. Um primeiro item, negociado desde o início dos trâmites da Rio+20, foram aqueles relacionados com os chamados “direitos reprodutivos das mulheres”, onde se explicitavam os direitos de saúde, de acesso ao trabalho e à educação e aos plenos direitos civis, incluindo aí a exclusão política e as pensas degradantes.
Neste caso, o representante do Vaticano – ou seja, do clérigo alemão Joseph Ratzinger que perseguiu durante anos o clero cristão progressista, incluindo aí Leonardo Boff e Frei Beto - considerou que sob a nomenclatura de “direitos da mulher” emergia a menção ao aborto. A diplomacia brasileira não só aceitou a exclusão como também a considerou a melhor forma de obter o buscado “consenso”. Assim, o Vaticano – com seus 832 habitantes, a maioria de homens -, envolvido até o pescoço em escândalos financeiros e sexuais acabou impondo ao conjunto do mundo sua ortodoxia medieval.
Ora, o Brasil, e sua presidenta Dilma Rousseff, não só apoiam a universalização dos direitos da mulher, como também buscam – conforme decisão do STF neste ano sobre o aborto de anencéfalos – de garantias sobre a saúde física e emocional das mulheres. Ou seja, a diplomacia brasileira negociou e propõem-se a assinar um documento que fica aquém da legislação brasileira e contrária a política proposta pela própria presidenta Dilma Rousseff.
A recusa de um organismo regulador global
Outro campo onde surgiu o dissenso, e a diplomacia brasileira buscou o consenso estéril, foi acerca da criação de uma Agência Mundial de Proteção Ambiental. A ideia chave era a transformação do PNUMA, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em uma agência com capacidade de analisar, regular e estabelecer metas gerais para a sustentabilidade. O modelo seria algo próximo da OMC, a Organização Mundial do Comércio. Ou seja, as regras que valem para o comércio não valem para o meio-ambiente. Neste caso, a França e vários países africanos propuseram a criação, com sede possivelmente na própria África. No entanto, Estados Unidos, China Popular e o Brasil mostraram-se contrários. Na prática isso significa que as decisões mais importantes ficarão, mais uma vez, à mercê de reuniões mastodônticas organizadas pela ONU e ao sabor das conjunturas eventuais – como no momento a crise econômica mundial. O máximo que o documento se permitiu foi uma proposta que o PNUMA, criado nos anos de 1970, seja “fortalecido e ampliado”. Mas, não se falou em metas e prazos.
Os recursos para a preservação do meio-ambiente
A reunião do G-20 em Los Cabos, México, na semana que antecedeu a Rio+20 resultou no fortalecimento do caixa do FMI em mais de 456 bilhões de dólares, incluindo aí fortes dotações da China Popular e, mesmo, do Brasil. Boa parte deste dinheiro, conforme as exigências conservadores do governo alemão acabarão sendo direcionados para a salvação dos bancos europeus. Os mesmos bancos que especularam, aplicaram seus recursos na “bolha imobiliária” (em especial na Espanha) e pagaram imensos salários aos seus executivos serão, assim, beneficiados (só os bancos espanhóis receberam neste mês de junho cerca de 62 bilhões de dólares), enquanto a população grega, portuguesa, espanhola, irlandesa... sofrem o desemprego e corte de direitos sociais. Assim, os chefes de estado e de governo reunidos em Los Cabos/México – a maioria ausente da Rio+20 – aceitam fornecer dinheiro ao sistema falido mundial. Contudo, na questão de financiamento de medidas de contenção do desmatamento, do desperdício, da poluição de rios, lagos e mares nada foi feito.
O G-77, grupo dos países mais pobres do mundo, pediu a Conferência a criação urgente de um fundo de 30 bilhões de dólares que financiariam tais projetos. A proposta, contudo, foi retirada do Rascunho Zero e não será apreciada pelos chefes de estado e de governo reunidos no Riocentro. Da mesma forma, a proposta de erradicação da pobreza extrema foi retirada do documento, sob pressão dos Estados Unidos (ou seja, do Governo Obama!).
A contradição evidente – 456 bilhões para o FMI e recusa de 30 bilhões para o G-77, ou seja, para quase um bilhão dos mais pobres seres humanos do planeta! – fica mais explicita quando a diplomacia brasileira insiste em que a erradicação da pobreza é a forma mais direta e justa de combater a destruição do meio-ambiente. Isso é correto, claro. A pobreza, além de injusta e feia, ela polui e causa doenças. A ausência de água potável nas casas, a falta de esgotamento sanitário, a ausência do tratamento do lixo (causando doenças e poluindo rios, lagos e mares) e o consumo não regular de energia são estruturas evidentes da destruição do planeta. Ora, se todos concordam com isso, porque não se avançou na criação do fundo de projetos sustentáveis? Porque não atender as pessoas mais miseráveis do planeta e, em vez disso, dar prioridade aos bancos e seus executivos?
A contradição só pode ser explicada pela diferença abissal entre discurso e intenções práticas.
Metas e garantias
Por fim, um terceiro campo que foi esvaziado nas reuniões prévias do Riocentro, foi a ausência de estabelecimento claro e objetivo de metas e decisões, garantias, para o controle da destruição do meio-ambiente. Assim, a meta de acesso universal as novas energias sustentáveis em 2030 – realizável, embora uma dura medida na indústria petrolífera – foi retirada do texto, sendo substituída por uma redação evasiva, sem datas e percentuais de substituição.
O mesmo ocorreu com a garantia de preservação das florestas do planeta. Enquanto, os documentos prévios previam a declaração de combate ao desmatamento e proposição de metas verificáveis sobre o estado das florestas do planeta, o documento proposto “reconhece a importância” das florestas para o equilíbrio ambiental e recusa, no entanto, a propor qualquer ação de replantio das áreas destruídas. Ou seja, mais uma vez a diplomacia do Brasil aceitou um documento mundial que fica aquém da proposta da presidenta Dilma Rousseff, quanto impôs seu veto ao projeto do Código Florestal.
No âmbito da preservação dos oceanos, da sua biodiversidade, em especial em face da exploração do petróleo/gás nas áreas oceânicas e a preservação dos plantéis de vida marinha – peixes, crustáceos, grandes mamíferos marinhos – houve forte reação dos Estados Unidos, Venezuela e Rússia (interessados na exploração de petróleo formaram uma estranha aliança!) e do Japão e Canadá (interessados em manter a exploração industrial, massiva, dos recursos pesqueiros do planeta).
Por fim, o documento original impunha que todas as empresas deveriam produzir relatórios de sustentabilidade decorrentes de suas atividades. É, claro, ainda uma vez o documento final considera “louvável” que as empresas o façam. Ora, ainda uma vez, sabemos que tais relatórios de impacto ambiental são obrigatórios no Brasil!
Em suma, a Conferência Rio+20 no que se refere às decisões a serem tomadas no Pavilhão do Riocentro, na verdade, não aconteceram. Estão aquém das decisões que a sociedade civil no Brasil vem exigindo do próprio governo brasileiro.
A RIO+20 NÃO É UM FRACASSO
Gilberto Maringoni
Rio de Janeiro - É no mínimo precipitada a avaliação corrente desde a quarta-feira (20) entre ambientalistas e órgãos de imprensa de que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 – “fracassou”. A base para essa sentença é o texto a ser ratificado pelos representantes dos 193 países presentes ao evento.
Se a métrica for o documento final, os resultados da Eco-92 também foram pífios. Resoluções de fóruns tão diversificados em sua composição tendem a ser genéricos. Some-se a isso o fato de utilizarem o método de aprovação por consenso, o que retira diferenças e visões mais incisivas de qualquer instrumento aprovado.
No entanto, a Rio+20 é muito mais do que suas resoluções. São seis mil eventos com a participação de quase cem mil pessoas de várias partes do mundo em iniciativas das mais diversificadas. A conferência comporta fóruns governamentais, parlamentares, empresariais, de movimentos sociais e de entidades privadas, como ONGs. Raros eventos de escala planetária comportam tamanha pluralidade de agentes em seu interior.
Totalizante e vago
Mesmo a última versão do documento final, intitulado “O futuro que queremos”, a ser aprovado pelos chefes de Estado, não pode ser avaliado secamente como “avanço” ou “retrocesso”.
Ele apresenta uma característica extremamente avançada: é totalizante no método. Ou seja, difere-se em muito de reivindicações estanques, fragmentadas e setoriais que setores do movimento ambientalista apresentam (não todos, é bom frisar), de limitada serventia para a construção de políticas globais. O documento da Rio+20, ao contrário, busca relacionar e contextualizar a questão ambiental aos temas das desigualdades sociais e das diferenças econômicas entre países.
Os problemas do texto são de outra ordem. Ele é longo – 49 páginas – abrangente e genérico. Aponta diversos problemas estruturais no modelo de desenvolvimento predatório existente, mas sem definir responsáveis ou ações claras para suas soluções. Há poucas decisões ali, a não ser vagas declarações de preocupações com o futuro do planeta. Ao longo de seus 283 parágrafos, a expressão “nós decidimos” aparece apenas cinco vezes, e “nós resolvemos” é proferida 16 vezes. Em compensação, expressões como “reconhecemos que” (149 vezes), “Reafirmamos” (56), “Sabemos que” (33) e “Enfatizamos que” (30) estão por toda parte.
Existem razões para isso. Os Estados Unidos e alguns países da União Europeia admitiram a menção de problemas, mas bloquearam seu comprometimento com ações concretas para sua superação. O Vaticano pressionou para que se retirasse uma defesa mais explícita aos direitos das mulheres sobre a sexualidade.
Se alguém se der ao trabalho de substituir cada uma daquelas expressões por outras mais claras, como “deliberamos” ou “aprovamos”, o arrazoado muda substancialmente de tom. Não são essas as únicas insuficiências do documento, mas são as principais.
Desigualdades sociais
As linhas iniciais do texto destacam que “Erradicar a pobreza é o grande desafio global colocado para o mundo atual e um pressuposto indispensável para o desenvolvimento sustentável. Para isso, teremos de libertar a humanidade da pobreza e da fome com urgência”. Mais adiante, é dito que o desenvolvimento sustentável se dará através da integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais, “reconhecendo seus vínculos intrínsecos”.
Ao longo de todas as páginas fica claro que desenvolvimento não é o mesmo que crescimento econômico, e que a redução das desigualdades sociais é matriz essencial para o chamado desenvolvimento sustentável.
“O futuro que queremos” advoga “a mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo”. E aponta como alternativa a “promoção da gestão sustentável e integrada dos recursos naturais”, para que se criem maiores oportunidades para todos, reduzindo as desigualdades.
Adiante é reafirmada a importância da liberdade, da paz e da segurança, além do respeito aos direitos humanos e o direito a um adquado padrão de vida, incluindo o direito alimentar, o império da lei, a igualdade de gênero, dentre outros. Além disso, relaciona a questão ambiental a tópicos como transportes, mortalidade infantil, erradicação de doenças endêmicas (aids, tuberculose, malária e outras), trabalho precário, defesa de populações originárias etc.
O texto “reconhece a necessidade de se “acelerar o progresso para que se reduza a distância entre os ritmos de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento”. Para isso, é necessário “aumentar a cooperação internacional” que logre combinar crescimento econômico, desenvolvimento social e preservação ambiental.
Economia Verde
As indefinições do documento não podem ser consideradas negativas apenas pelo lado daqueles que pregam – com razão – decorrências mais concretas para a defesa do meio ambiente. Quando fala em “economia verde”, o documento final não explica o que significa o conceito. Isso faz com que sua enfática defesa ao longo de treze parágrafos dependa de detalhes mais explícitos sobre o que se pretende.
Mesmo dentro do sistema ONU, o texto apresenta características positivas. Em uma das raras decisões arroladas está a de se criar “um fórum político intergovernamental” para a discussão do desenvolvimento sustentável. É muito menos do que a pretendida elevação do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) à condição de agência permanente, mas o texto deixa clara a existência de uma forte tensão nesse sentido entre os países signatários.
Ao mesmo tempo, apesar de mencionar a necessidade de se “considerar a necessidade” de se criarem fundos, agências e outras entidades no sistema ONU voltadas para o meio ambiente, o documento joga para a frente deliberações nesse sentido.
Há poucas metas concretas para que se alcance o desenvolvimento sustentável. Muitas dessas decisões foram proteladas para depois de 2015.
Qualidade da crítica
As críticas ao documento parecem não levar em conta a hierarquia entre países existente no mundo. Apesar da emergência de novos pólos de luta política e social nos últimos quinze anos – em especial na América Latina – a hegemonia estadunidense segue determinante no jogo pesado das relações internacionais.
Não se trata apenas da “vontade política” deste ou daquele governante, mas de se ter condições de enfrentamento com uma potência imperial e com o poder militar-financeiro e midiático das grandes corporações globais. “O futuro que queremos” não pode ser julgado apenas pela métrica dos desejos de quem quer estabelecer limites à devastação ambiental que se combinem com o desenvolvimento dos países. Deve-se levar em conta a realidade objetiva da cena mundial.
AGORA, A "VISÃO" DO GRUPO ACORDE
Leiam os textos e vejam o vídeo (não necessariamente nesta ordem).
Abraços a todos
"RIO +20: A CONFERÊNCIA QUE NÃO ACONTECEU...
Francisco Carlos Teixeira
Rio de Janeiro - Aterro do Flamengo, Pavilhão dos Povos do Mundo, Rio - Ao longo desta quinta-feira, dia 21/06/2012, quando se esperava uma intervenção mais firme e objetiva de chefes de estado e do governo sobre o documento final da Conferência Rio+20, nada aconteceu. A intervenção, clara e direta, do Presidente François Hollande, incluindo aí a cobrança de um imposto sobre os capitais especulativos que giram pelo mundo (e que são em grande parte responsáveis pela atual crise mundial), a inusitada manifestação de decepção do Secretário-Geral da ONU Bam Ki-moon e, o anúncio pela Rede Climática Mundial – cerca de mil entidades civis de ação contra o Aquecimento Global - de retirar sua assinatura do documento final (o que na prática significa que a Conferência Rio+20 não é mais uma conferência dos povos do mundo) não sensibilizaram os diplomatas e chefes de estado e de governo no Riocentro. Os povos do mundo aqui reunidos rebelaram-se contra os diplomatas e assessores insensíveis. O tic-tac do tempo irreversível foi anunciado no Riocentro ante uma plateia insensível.
O que ficou “descombinado”: os direitos das mulheres
O Documento Base da Conferencia Rio+20, chamado originalmente de Rascunho Zero, deveria ser a base para o comunicado final da conferência, a ser assinado pelos representantes das nações aqui reunidas e das diversas entidades civis que lutam contra a “economia fóssil”.
Contudo, nos dias que precederam a reunião dos chefes de estado e de governo a diplomacia anfitriã, no caso o Itamaraty, decidiu-se em face de fortes resistências por uma proposta dita consensual. Na verdade, o que se fez neste documento foi eliminar todos os pontos que sofriam alguma restrição. Ora, as restrições eram apontadas exatamente naqueles itens que eram inovadores, que obrigavam a mudanças e contrariavam interesses literalmente “fossilizados”, viciados no padrão de produção e consumo predatório originado na Revolução Industrial do século XVIII.
Os pontos principais relegados no Documento Final pertencem a três grupos principais de resistências. Um primeiro item, negociado desde o início dos trâmites da Rio+20, foram aqueles relacionados com os chamados “direitos reprodutivos das mulheres”, onde se explicitavam os direitos de saúde, de acesso ao trabalho e à educação e aos plenos direitos civis, incluindo aí a exclusão política e as pensas degradantes.
Neste caso, o representante do Vaticano – ou seja, do clérigo alemão Joseph Ratzinger que perseguiu durante anos o clero cristão progressista, incluindo aí Leonardo Boff e Frei Beto - considerou que sob a nomenclatura de “direitos da mulher” emergia a menção ao aborto. A diplomacia brasileira não só aceitou a exclusão como também a considerou a melhor forma de obter o buscado “consenso”. Assim, o Vaticano – com seus 832 habitantes, a maioria de homens -, envolvido até o pescoço em escândalos financeiros e sexuais acabou impondo ao conjunto do mundo sua ortodoxia medieval.
Ora, o Brasil, e sua presidenta Dilma Rousseff, não só apoiam a universalização dos direitos da mulher, como também buscam – conforme decisão do STF neste ano sobre o aborto de anencéfalos – de garantias sobre a saúde física e emocional das mulheres. Ou seja, a diplomacia brasileira negociou e propõem-se a assinar um documento que fica aquém da legislação brasileira e contrária a política proposta pela própria presidenta Dilma Rousseff.
A recusa de um organismo regulador global
Outro campo onde surgiu o dissenso, e a diplomacia brasileira buscou o consenso estéril, foi acerca da criação de uma Agência Mundial de Proteção Ambiental. A ideia chave era a transformação do PNUMA, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em uma agência com capacidade de analisar, regular e estabelecer metas gerais para a sustentabilidade. O modelo seria algo próximo da OMC, a Organização Mundial do Comércio. Ou seja, as regras que valem para o comércio não valem para o meio-ambiente. Neste caso, a França e vários países africanos propuseram a criação, com sede possivelmente na própria África. No entanto, Estados Unidos, China Popular e o Brasil mostraram-se contrários. Na prática isso significa que as decisões mais importantes ficarão, mais uma vez, à mercê de reuniões mastodônticas organizadas pela ONU e ao sabor das conjunturas eventuais – como no momento a crise econômica mundial. O máximo que o documento se permitiu foi uma proposta que o PNUMA, criado nos anos de 1970, seja “fortalecido e ampliado”. Mas, não se falou em metas e prazos.
Os recursos para a preservação do meio-ambiente
A reunião do G-20 em Los Cabos, México, na semana que antecedeu a Rio+20 resultou no fortalecimento do caixa do FMI em mais de 456 bilhões de dólares, incluindo aí fortes dotações da China Popular e, mesmo, do Brasil. Boa parte deste dinheiro, conforme as exigências conservadores do governo alemão acabarão sendo direcionados para a salvação dos bancos europeus. Os mesmos bancos que especularam, aplicaram seus recursos na “bolha imobiliária” (em especial na Espanha) e pagaram imensos salários aos seus executivos serão, assim, beneficiados (só os bancos espanhóis receberam neste mês de junho cerca de 62 bilhões de dólares), enquanto a população grega, portuguesa, espanhola, irlandesa... sofrem o desemprego e corte de direitos sociais. Assim, os chefes de estado e de governo reunidos em Los Cabos/México – a maioria ausente da Rio+20 – aceitam fornecer dinheiro ao sistema falido mundial. Contudo, na questão de financiamento de medidas de contenção do desmatamento, do desperdício, da poluição de rios, lagos e mares nada foi feito.
O G-77, grupo dos países mais pobres do mundo, pediu a Conferência a criação urgente de um fundo de 30 bilhões de dólares que financiariam tais projetos. A proposta, contudo, foi retirada do Rascunho Zero e não será apreciada pelos chefes de estado e de governo reunidos no Riocentro. Da mesma forma, a proposta de erradicação da pobreza extrema foi retirada do documento, sob pressão dos Estados Unidos (ou seja, do Governo Obama!).
A contradição evidente – 456 bilhões para o FMI e recusa de 30 bilhões para o G-77, ou seja, para quase um bilhão dos mais pobres seres humanos do planeta! – fica mais explicita quando a diplomacia brasileira insiste em que a erradicação da pobreza é a forma mais direta e justa de combater a destruição do meio-ambiente. Isso é correto, claro. A pobreza, além de injusta e feia, ela polui e causa doenças. A ausência de água potável nas casas, a falta de esgotamento sanitário, a ausência do tratamento do lixo (causando doenças e poluindo rios, lagos e mares) e o consumo não regular de energia são estruturas evidentes da destruição do planeta. Ora, se todos concordam com isso, porque não se avançou na criação do fundo de projetos sustentáveis? Porque não atender as pessoas mais miseráveis do planeta e, em vez disso, dar prioridade aos bancos e seus executivos?
A contradição só pode ser explicada pela diferença abissal entre discurso e intenções práticas.
Metas e garantias
Por fim, um terceiro campo que foi esvaziado nas reuniões prévias do Riocentro, foi a ausência de estabelecimento claro e objetivo de metas e decisões, garantias, para o controle da destruição do meio-ambiente. Assim, a meta de acesso universal as novas energias sustentáveis em 2030 – realizável, embora uma dura medida na indústria petrolífera – foi retirada do texto, sendo substituída por uma redação evasiva, sem datas e percentuais de substituição.
O mesmo ocorreu com a garantia de preservação das florestas do planeta. Enquanto, os documentos prévios previam a declaração de combate ao desmatamento e proposição de metas verificáveis sobre o estado das florestas do planeta, o documento proposto “reconhece a importância” das florestas para o equilíbrio ambiental e recusa, no entanto, a propor qualquer ação de replantio das áreas destruídas. Ou seja, mais uma vez a diplomacia do Brasil aceitou um documento mundial que fica aquém da proposta da presidenta Dilma Rousseff, quanto impôs seu veto ao projeto do Código Florestal.
No âmbito da preservação dos oceanos, da sua biodiversidade, em especial em face da exploração do petróleo/gás nas áreas oceânicas e a preservação dos plantéis de vida marinha – peixes, crustáceos, grandes mamíferos marinhos – houve forte reação dos Estados Unidos, Venezuela e Rússia (interessados na exploração de petróleo formaram uma estranha aliança!) e do Japão e Canadá (interessados em manter a exploração industrial, massiva, dos recursos pesqueiros do planeta).
Por fim, o documento original impunha que todas as empresas deveriam produzir relatórios de sustentabilidade decorrentes de suas atividades. É, claro, ainda uma vez o documento final considera “louvável” que as empresas o façam. Ora, ainda uma vez, sabemos que tais relatórios de impacto ambiental são obrigatórios no Brasil!
Em suma, a Conferência Rio+20 no que se refere às decisões a serem tomadas no Pavilhão do Riocentro, na verdade, não aconteceram. Estão aquém das decisões que a sociedade civil no Brasil vem exigindo do próprio governo brasileiro.
A RIO+20 NÃO É UM FRACASSO
Gilberto Maringoni
Rio de Janeiro - É no mínimo precipitada a avaliação corrente desde a quarta-feira (20) entre ambientalistas e órgãos de imprensa de que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 – “fracassou”. A base para essa sentença é o texto a ser ratificado pelos representantes dos 193 países presentes ao evento.
Se a métrica for o documento final, os resultados da Eco-92 também foram pífios. Resoluções de fóruns tão diversificados em sua composição tendem a ser genéricos. Some-se a isso o fato de utilizarem o método de aprovação por consenso, o que retira diferenças e visões mais incisivas de qualquer instrumento aprovado.
No entanto, a Rio+20 é muito mais do que suas resoluções. São seis mil eventos com a participação de quase cem mil pessoas de várias partes do mundo em iniciativas das mais diversificadas. A conferência comporta fóruns governamentais, parlamentares, empresariais, de movimentos sociais e de entidades privadas, como ONGs. Raros eventos de escala planetária comportam tamanha pluralidade de agentes em seu interior.
Totalizante e vago
Mesmo a última versão do documento final, intitulado “O futuro que queremos”, a ser aprovado pelos chefes de Estado, não pode ser avaliado secamente como “avanço” ou “retrocesso”.
Ele apresenta uma característica extremamente avançada: é totalizante no método. Ou seja, difere-se em muito de reivindicações estanques, fragmentadas e setoriais que setores do movimento ambientalista apresentam (não todos, é bom frisar), de limitada serventia para a construção de políticas globais. O documento da Rio+20, ao contrário, busca relacionar e contextualizar a questão ambiental aos temas das desigualdades sociais e das diferenças econômicas entre países.
Os problemas do texto são de outra ordem. Ele é longo – 49 páginas – abrangente e genérico. Aponta diversos problemas estruturais no modelo de desenvolvimento predatório existente, mas sem definir responsáveis ou ações claras para suas soluções. Há poucas decisões ali, a não ser vagas declarações de preocupações com o futuro do planeta. Ao longo de seus 283 parágrafos, a expressão “nós decidimos” aparece apenas cinco vezes, e “nós resolvemos” é proferida 16 vezes. Em compensação, expressões como “reconhecemos que” (149 vezes), “Reafirmamos” (56), “Sabemos que” (33) e “Enfatizamos que” (30) estão por toda parte.
Existem razões para isso. Os Estados Unidos e alguns países da União Europeia admitiram a menção de problemas, mas bloquearam seu comprometimento com ações concretas para sua superação. O Vaticano pressionou para que se retirasse uma defesa mais explícita aos direitos das mulheres sobre a sexualidade.
Se alguém se der ao trabalho de substituir cada uma daquelas expressões por outras mais claras, como “deliberamos” ou “aprovamos”, o arrazoado muda substancialmente de tom. Não são essas as únicas insuficiências do documento, mas são as principais.
Desigualdades sociais
As linhas iniciais do texto destacam que “Erradicar a pobreza é o grande desafio global colocado para o mundo atual e um pressuposto indispensável para o desenvolvimento sustentável. Para isso, teremos de libertar a humanidade da pobreza e da fome com urgência”. Mais adiante, é dito que o desenvolvimento sustentável se dará através da integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais, “reconhecendo seus vínculos intrínsecos”.
Ao longo de todas as páginas fica claro que desenvolvimento não é o mesmo que crescimento econômico, e que a redução das desigualdades sociais é matriz essencial para o chamado desenvolvimento sustentável.
“O futuro que queremos” advoga “a mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo”. E aponta como alternativa a “promoção da gestão sustentável e integrada dos recursos naturais”, para que se criem maiores oportunidades para todos, reduzindo as desigualdades.
Adiante é reafirmada a importância da liberdade, da paz e da segurança, além do respeito aos direitos humanos e o direito a um adquado padrão de vida, incluindo o direito alimentar, o império da lei, a igualdade de gênero, dentre outros. Além disso, relaciona a questão ambiental a tópicos como transportes, mortalidade infantil, erradicação de doenças endêmicas (aids, tuberculose, malária e outras), trabalho precário, defesa de populações originárias etc.
O texto “reconhece a necessidade de se “acelerar o progresso para que se reduza a distância entre os ritmos de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento”. Para isso, é necessário “aumentar a cooperação internacional” que logre combinar crescimento econômico, desenvolvimento social e preservação ambiental.
Economia Verde
As indefinições do documento não podem ser consideradas negativas apenas pelo lado daqueles que pregam – com razão – decorrências mais concretas para a defesa do meio ambiente. Quando fala em “economia verde”, o documento final não explica o que significa o conceito. Isso faz com que sua enfática defesa ao longo de treze parágrafos dependa de detalhes mais explícitos sobre o que se pretende.
Mesmo dentro do sistema ONU, o texto apresenta características positivas. Em uma das raras decisões arroladas está a de se criar “um fórum político intergovernamental” para a discussão do desenvolvimento sustentável. É muito menos do que a pretendida elevação do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) à condição de agência permanente, mas o texto deixa clara a existência de uma forte tensão nesse sentido entre os países signatários.
Ao mesmo tempo, apesar de mencionar a necessidade de se “considerar a necessidade” de se criarem fundos, agências e outras entidades no sistema ONU voltadas para o meio ambiente, o documento joga para a frente deliberações nesse sentido.
Há poucas metas concretas para que se alcance o desenvolvimento sustentável. Muitas dessas decisões foram proteladas para depois de 2015.
Qualidade da crítica
As críticas ao documento parecem não levar em conta a hierarquia entre países existente no mundo. Apesar da emergência de novos pólos de luta política e social nos últimos quinze anos – em especial na América Latina – a hegemonia estadunidense segue determinante no jogo pesado das relações internacionais.
Não se trata apenas da “vontade política” deste ou daquele governante, mas de se ter condições de enfrentamento com uma potência imperial e com o poder militar-financeiro e midiático das grandes corporações globais. “O futuro que queremos” não pode ser julgado apenas pela métrica dos desejos de quem quer estabelecer limites à devastação ambiental que se combinem com o desenvolvimento dos países. Deve-se levar em conta a realidade objetiva da cena mundial.
AGORA, A "VISÃO" DO GRUPO ACORDE
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