As formas (in)visíveis do preconceito
Nos últimos meses, fui colecionando alguns indicativos de nossos preconceitos invisíveis. A cada momento em que os percebi, pensei em postar algo aqui no blog, mas o corre-corre foi me tolhendo. Chegado o feriado, me dei o direito de me voltar a mim mesmo, e a atualizar este blog que é também, morada de meus devaneios públicos. E os tais flagrantes de preconceito me vieram como algo a ser posto aqui numa tacada só.
Trata-se daqueles minúsculos fragmentos que passam despercebidos, invisíveis ou pouco problematizados, e que, por isso mesmo, se instalam em nossos inconscientes.
Pois bem. Comecemos, então, com o ator Rodrigo Lombardi (atualmente protagonizando o personagem Herculano Quintanilha, na novela da TV Globo, "O Astro"), autor de uma "pérola" quando, participando do quadro de jurados do "Dança dos Famosos", tentou argumentar sobre o desempenho de uma das duplas de dançarinos, lançando mão de uma comparação absolutamente infeliz, cujo princípio básico confere a um determinado padrão físico (alto e loiro) a condição de píncaro de alto desempenho artístico.
Não sei se o ator estava pressionado pela necessidade de ser sucinto, se foi traído pelo preconceito inconsciente ou se quis, apenas, realçar elementos que a sociedade já padroniza para "questioná-las". Seja como for, bem que ele poderia ter escolhido outros parâmetros para ilustrar sua análise, afinal, uma das manifestações de preconceito mais comuns que vemos por aí são expressões que demonstram espanto frente a qualidades evidenciadas por pessoas aparentemente incapazes de as terem por uma presumida marca que lhe é originalmente anterior (ser de tal etnia, região, opção sexual, ou ser destituído de determinadas atributos físicos).
Um outro fato recente também me chamou a atenção: o "ator, jornalista, funileiro e campeão de mundial Pogobol (é como ele se apresenta em seu sítio)" Rafinha Bastos, que integra o trio de apresentadores do Programa CQC está respondendo judicialmente pela acusação de "apologia ao crime de estupro". Segundo o que circulou, durante uma de suas apresentações, ele teria dito "- Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia... Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço."...
Mais direto impossível, né?
Pois bem. O cara foi citado em ação judicial e imediatamente alguns colegas de profissão (inclusive aqueles que trabalham no Programa "Pânico") vieram em sua defesa, denunciado a ação judicial impetrada pelo Ministério Público como "o retorno da censura".
Seria mesmo o caso de se estar atentando contra a liberdade de expressão? Quer dizer que o estupro é algo "aceitável" sob determinadas condições? Será que sob o manto da categorização de "piada" é aceitável todas as formas de violência contra o ser humano?
A invisibilidade ou sutileza como os preconceitos se instalam em nossos subterrâneos não é fácil de ser combatido. Nossos olhos não são programados para ver determinados fenômenos que ocorrem com uma dada velocidade, contexto ou distância. E aí as "ilusões de ótica" se tornam comuns. Em discussões sobre as cotas raciais, já escutei que não temos entre nós preconceito de cor e sim de origem social.
Aí, visitando sítios me deparo com uma notícia de que segundo o Cadastro Nacional de Adoção é alta a taxa de crianças negras que aguardam por uma família. Elas correspondem a praticamente metade das quatro mil aptas para adoção entre 29 mil órfãos que vivem em abrigos espalhados pelo Brasil. Junto a eles, outros 21% dos meninos e meninas não são adotados por possuírem problemas de saúde ou algum tipo de deficiência. Segundo documento do Cadastro, publicado em maio deste ano, o número de interessados em adotar crianças é sete vezes superior ao número de órfãos, porém, o perfil procurado é de recém-nascidos brancos e saudáveis, distante da realidade encontrada nos abrigos.
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Comentários
Eu vejo isso como preconceito, mas para ele, devido a forma em que ele foi criado e no meio em que vive aquilo deixa de ser um preconceito e vira uma mera comparação.