No meio de tudo...um belo texto sobre Tango

Fui conduzido a ler um belo texto de Mario Sabino, publicado na Folha de São Paulo em 19 de setembro...belíssimo...para quem, como eu, adora ouvir Piazolla (o tango jazzístico) e o Projecto Gotan (o tango contemporâneo, com pitadas eletrônicas), o texto é de uma precisão poética solene.
Então, deliciem-se com o texto, cujo título é: "O que faz de um tango um tango".
"O que faz de um tango um tango não são as letras lamuriosas. O que faz de um tango um tango não é o Gardel morto que canta cada vez melhor. O que faz de um tango um tango não são os passos ensaiados na tradição. O que faz de um tango um tango não é a orquestra com o ar cansado de quem tudo já viu. O que faz de um tango um tango não são as pernas altas da dançarina, calçadas em meias pretas. Não é seu cabelo preso ora com flor, ora com fita. O que faz de um tango um tango não é o chapéu antigo do dançarino. Não são os seus sapatos lustrosos. Não é o seu terno de risca-de-giz. Não é o seu lenço dobrado no bolso da lapela. O que faz de um tango um tango não é Buenos Aires. Não é qualquer geo-grafia. O tango não está no mundo das latitudes, das longitudes, das cartografias, dos guias turísticos.
O que faz de um tango um tango é a atração e a repulsa. É a tentação e o medo. É o afeto e a raiva. O que faz de um tango um tango é ela seguindo na mesma direção dele, e ele seguindo na mesma direção dela, até que um tenta fugir e o outro tenta impedir, numa alternância de fugas que se querem e não se querem. O que faz de um tango um tango é a dor de um e de outro transformada em coreografia simétrica. O que faz de um tango um tango é o encontro que se desencontra e se reencontra. O que faz de um tango um tango são os volteios do amor dos poemas clássicos, das canções dos trovadores. Os volteios do amor que bebe no prazer e na fúria. Os volteios do amor que se amorna e logo torna a incandescer. O que faz de um tango um tango é o amor que, na iminência de um final que se prenuncia infeliz, acha o final feliz. Porque nunca em um tango que é tango os dançarinos terminam separados, descolados, deslocados.
O que faz de um tango um tango sou eu dentro de você na carne e você dentro de mim na alma, depois do último acorde, depois do último aplauso, depois da última lágrima, depois do último gozo. O que faz de um tango um tango é a música que se quer silêncio. O silêncio dos amantes."

Comentários

Samis disse…
Nossa, que texto belo!


parabéns pela postagem
Sandro Abayomi disse…
Oi Samis, obrigado pela visita...volte sempre...vi seu blog e adorei...uma verve poética intensa como a do Mario Sabino que é o autor do texto postado e a quem devemos, de fato, agradecer pela preciosidade.
Beijos.
Ana Lucia disse…
Mui caliente este texto e belíssimo. Bjss
Samis disse…
Sandro,
Outros Aires não é uma referencia à bela capital. É um grupo de lá que conheci estando em Buenos.

Lembro que vc comentava de seus gostos musicais e vale conferir.


=)

Obrigada, também, pela visita.

=D
dra.neurawm disse…
A qualidade poética desse texto é indiscutível. Belíssimo!
Mas vou deixar aqui uma reivindicação e um protesto: queremos que voltem os seus textos!!!
Cadê sua inspiração?
Onde está você?
Volte!!!

abraçoscomlaços,

Neura Maria Weber Maron
Kátia disse…
Vixe!! Eu também estou com saudades de seus textos! Endosso a reivindicação da Neura!!
Beijos a vapor.
Rosa de França disse…
Ler fez-me querer dançar. Resolvi, então, escrever:
"Ah, vivo um triste caso de amor com a dança, essa amante mais forte e decidida do que eu. Nesse romance, afasto-me: dois passos para lá e ela, comovida, de vez em quando, ritma meus sentimentos..."
Rosa de França

Depois o enviarei prontinho, acabado, como se pudesse... kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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