De uma vez só...Saramago e Militana

Neste final de semana, a humanidade, de uma tacada só, perdeu duas pessoas importantes: o português José Saramago e a nossa potiguar Dona Militana. Cada um de sua aldeia lançou pérolas ao mundo. Um, ganhador do Nobel de Literatura. A outra, detentora da Comenda Máxima da Cultura Popular. Ambos, legítimos representantes da cultura ibérica, seus dramas, suas tramas, seus dilemas e, principalmente, bonitezas. Ambos, como rei e rainha de um romance ibérico, pegaram a "jangada de pedra", antes que a morte agisse em suas intermitências.
A querida amiga Rosângela, que entende de Literatura muito mais que eu, que escreve e faz poesias com a formosura de poucas criaturas, enviou aos amigos um texto por ela escrito, em referência à morte do Saramago. Pedi autorização a ela para publicar o texto e ela deixou. Com ela tenho liberdade de dialogar sobre essas coisas  e o fiz dentro dos meus reconhecidos limites poéticos...mas é um exercício que adoro fazer com ela. Então aqui está, para o deleite de todos.
(“A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.”- José Saramago)

Segundo o mar, somos todos homens!
SEGUNDO OS SONHOS, NOS TORNAMOS REIS E RAINHAS
VESTIMOS ARMADURAS, USAMOS TRANÇAS E DESAFIAMOS DRAGÕES
Lá, ao longe, o escritor: Camisa branquinha, peito de coragem, tem até sapatos...
BEM MAIS AO LONGE, NAS BRENHAS DO SÍTIO OITEIRO,
A REDE NOTURNA DÁ O TOM DA TRAMA,
A ROÇA MATUTINA MATUTA O DRAMA
Vai e não se esquece de si, de sua original nascença.
APRUMA A VOZ E SOLTA PRINCESAS, PRINCÍPES E VITÓRIAS
Por vezes, diz ser um homem, somente homem.
Meu e de muitos...
Que ele não saiba!
SOLTA NOSSOS MAIS ÍNTIMOS DILEMAS,
MEUS E DE TANTOS,
OS INCONFESSÁVEIS E OS PÚBLICOS
Lá, ao longe, vai o escriba cansado, embora bem vestido. Passou por aqui e era só perfume de grafite e papel.
DEVAGAR, COM SEU VESTIDO ESTAMPADO, A VELHA ROMANCEIRA VAI SAINDO DE CENA E DEIXANDO CONOSCO OS SONHOS IBÉRICOS
(E isso tem cheiro?)
COM O PERFUME DA IMPONÊNCIA SIMPLÓRIA
(E SEU CHEIRO DE ANTIGAS NOVIDADES)
Importa-nos?
(Pois sim. Jamais vejo esse ensaísta de cegueiras humanas, tão cheio de nobreza, quanto quando se perfuma.)
ASSIM SE SENTA E CANTA, ROMANCEIA,
Silencia os segundos e vê!
DESTILA SUA NARRATIVA FIRME E ENCANTADA
Lá, ao longe, o homem que espera o navio.
Vai incontido, dentro de sua própria sede, à procura da ilha!
Caso olhe para trás e nos veja, não lhe informes o paradeiro dessa terra.
FALA DE UMA TERRA SEM PARADEIRO...MORADA DE PERSONAGENS QUE SE PERDEM EM SUA BOCA.
(Desconhecida?)
Ele pensa que sim.
(Deixai-o ir! O que pensa sobre desaparecer da vida, este homem? O que sabe dessa viagem de mãos vazias?)
ELA VAI...FICAMOS PRISIONEIROS DE SUAS TRAMAS...PRISIONEIROS DE SUA LIBERDADE DE INVENTAR...
(De Rei a marujo no piscar de uma manhã.)
PRISIONEIROS DAS TORRES DAS PRINCESAS E DOS ALAZÕES DOS CAVALEIROS.
(Ridículo vizinho de telhas!)

(E quanto a nós?)
Nós... Eu, você e ela.
(Ela não irá... Para sua sorte e nosso risco, há muita limpeza a fazer.)
Voltemos ao começo de tudo! Perfumemo-nos! Afinal, são só grafite e papel.
SIGAMOS E SINGREMOS OS NOSSOS MARES COM NOSSAS JANGADAS DE PEDRA
E estarão sobre a mesa,
que atravessa o cais,
que mora na casa de muitas portas.
(Não são nossos! Além do que, prefiro alfazema! Posso dispor de algumas gotas? E, se...?)
Ele não volta! Encontrará a bendita, deitar-se-á sobre o campo verde e regerá o mar à sua volta.
(Acenemos! Ele nos vê e parte!)
ACENO E DIGO: OBRIGADO DONA MOÇA...ELA APENAS SORRI E DIZ: DE NADA...
Estúpido caçador de ilhas!
Sim, acenemos, para não lhe parecer um insulto.
“Quando for a nossa vez faremos menos barulho.”
Voltemos! Faz frio! Ele não volta! Perfumemo-nos!
Ilha de pássaros e homens... Homem destro e infantil. Tenho certeza de que foi para nos enganar. Deixar-nos aqui, sozinhos... E quem lhe servirá a ceia em pratos limpos? Quem lerá seus projetos de gaveta? Deixar-nos aqui, aos milhões...
ELA NOS DEIXOU AQUI, CATANDO AMORES PERDIDOS, DESENCONTROS ACHADOS E DESEJOS REFEITOS.
Quem sabe o próximo barco!
QUEM SABE NA PRÓXIMA JANGADA DE PEDRA...NO PRÓXIMO COCHILO INTERMITENTE DA MORTE...QUEM SABE NO SILÊNCIO SÚBITO DE UMA CONVERSA ENTRE DEUS E JESUS...QUEM SABE NO SEGUNDO EM QUE ABEL PENSA EM ESCAPAR DE CAIM?

Rosa de França
SANDRO

Comentários

Rosa de França disse…
Chorei duas lágrimas, uma para cada poeta partido... E esse mundo ainda insiste em nos calar! Deixa que a morte trata disso, povo besta!
Rosa de França Saramago Militana Azevedo Andrade...
Rosa de França disse…
Chorei duas lágrimas, uma para cada poeta partido... E esse mundo ainda insiste em nos calar! Deixa que a morte trata disso, povo besta!
Rosa de França Saramago Militana Azevedo Andrade...
Guerreira disse…
Uau! É de arrepiar! Parabéns pelo talento e obrigada por nos presentear com esta linda homenagem! Nós por cá também sentiremos falta do Poeta, os mais amigos têm dito que o País e o mundo, naquele dia, "ficou mais burro".
Gleice Lopes
Sesimbra/ Portugal
Sandro Abayomi disse…
Obrigado Gleice. Fiquei surpreendido em receber sua visita transatlântica...rsrs...volte sempre...Os méritos são de Rosa de França. Beijos.
Gilmar Leite disse…
Valeu Sandro. Muito bom o registro e intercâmbio dialógico de duas figuras, feita pela pena de quem sabe dos dois. Muito bom. Valeu o boi. Abraços
Sírlia Lima disse…
Oi Alessandro! Bela homenagem a nossa querida romanceira e ao amado poeta Saramago.Também fiz um cordel em homenagem a Dona Militana está disponível em meu blog. http://Projetobemtivi.blogspot.com
Abraço. Sírlia Lima

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