Nós temos SUS..."eles" não têm...


Reproduzo abaixo um artigo do prof. Luís Carlos Lopes, autor do livro "TV, poder e substância: a espiral da intriga", sobre as tentativas do presidente Obama em instituir um sistema público de saúde, similar ao brasileiro.
As resistências são enormes e, ao contrário do que se supõe, a oposição que ele sofre não se deve a uma suposta falha do "nosso" SUS, mas, muito mais, por razões ideológicas e, principalmente, econômicas, afinal as empresas de planos de saúde faturam milhões por lá (como aqui também)...
Apesar de todos os seus problemas, o nosso SUS é tido como exemplo de modelo, exatamente porque funda-se em princípios básicos pelos quais as pessoas atendidas não são vistas como "clientes" mas "detentores de direitos". Recentemente o cineasta-documentarista Michael Moore retratou (com a sua fina ironia e perspicácia que lhe são características) toda a violência da saúde dos EUA no filme "SICKO - SOS Saúde". Quem puder ver veja e tire suas próprias conclusões.
Bom final de semana a todos.

"OBAMA, SAÚDE E O BRASIL"

A polêmica em torno da questão da saúde nos EUA deveria estar sendo seguida mais vivamente no Brasil. Afinal de contas, o nosso modelo dos planos de saúde foi trazido de lá, tentando esconder o real problema da privatização da medicina. Antes do surgimento nacional massivo dos mesmos, já havia distinções. A medicina paga e para poucos convivia com pesados investimentos na saúde pública, na forma de hospitais, ambulatórios e outras providências. Não raro, as classes médias usavam, junto com os mais pobres, dos serviços de saúde públicos, principalmente para os problemas mais graves.
O crescimento e o uso corrente dos planos de saúde no Brasil datam da época da ditadura e têm sido a alternativa das classes médias para tentar obter um tratamento médico diferencial. Sem estes, não poderiam ter acesso à medicina privada. Eles funcionam como um sistema de seguro, onde se paga antes o que se poderá precisar a seguir. Direitos, carências, regras e restrições determinam como os seus clientes podem ou não podem usá-los. Não raro, elas são absurdas do ponto de vista do doente, apesar de absolutamente lógicas, se vistas pela ótica do mercado.
Os planos de saúde ligados as empresas estatais e a outros órgãos governamentais costumam ter inúmeros problemas das mais diversas ordens. Entretanto, como têm origem corporativa e pública, eles tendem, com exceções, a prestar serviços de melhor qualidade. Isto se prende à vigilância das categorias de trabalhadores envolvidas, bem como ao fato de não serem propriamente empresas voltadas para o lucro. A maior barbárie se concentra nas empresas que vivem estritamente da venda destes seguros.
Os planos são aqui e nos EUA bastante diferenciados. Por aqui, há imensas diferenças nas cotas a serem pagas e, obviamente, nos serviços a serem prestados. No Brasil, os usuários têm o apoio da Justiça que tem impedido, quando chega a tempo de intervir, maiores arbitrariedades. O Ministério da Saúde e as agências reguladoras da era Lula não são, presentemente e felizmente, salvo engano, aliadas estratégicas das empresas que os mantêm.
As empresas que os oferecem são igualmente milionárias, tanto lá como cá. Transformaram a saúde humana em uma mercadoria como qualquer outra, um serviço vendido no balcão, para quem possa comprá-lo. No Brasil, prosperaram com o sucateamento da medicina governamental, lembrando o caso do ensino público até o segundo grau, hoje voltado quase que exclusivamente para os mais pobres. Relacionam-se, por inferência, com a venda de outros bens tais como a educação e a cultura, hoje, altamente mercantilizados.
O modelo norte-americano é hegemonizado pela saúde privada que vende seus seguros a quem possa comprar. Os hospitais públicos do país são os destinados aos miseráveis, sendo bastante precários. A regra por lá é muito clara. Ou se tem dinheiro para pagar um plano ou não se tem atendimento médico com alguma qualidade. A questão fica ainda mais dramática com a tirania das omissões e exclusões de todo tipo. Estas, abertamente praticadas pelas seguradoras. O filme de Michael Moore sobre o assunto não deixa dúvida sobre a recorrente arbitrariedade local.
Grosso modo, a questão levantada por Obama é simples e nada revolucionária. Ele não disse, por exemplo, que a solução seria a de estatizar a saúde no país mais rico do mundo. Em vários países europeus, a saúde é pública e de acesso universal e, apesar de várias pressões, não há a possibilidade real de se alterar este quadro.
O que Obama deseja é incluir a "todos" os norte-americanos no sistema de saúde do país. Cerca de 50 milhões, dos 300 milhões de norte-americanos não possuem planos porque não têm recursos para pagá-los ou não trabalham em empresas que os banquem. Sua proposta é a de criar um plano financiado pelo governo federal que atenda a todos os excluídos, com a lamentável manutenção da exclusão dos imigrantes ilegais. Deseja também aumentar a fiscalização sobre os planos privados existentes, impedindo que cometam as barbaridades que se conhecem.
Somente isto, foi suficiente para uma tempestade política, em uma clara tentativa de fazê-lo recuar. As técnicas da intriga e da falácia têm sido usadas em vários espaços para tentar frear as reformas do primeiro presidente negro da história do país. Ao que parece, ele se mantém firme, cumprindo pelo menos esta promessa de campanha, objetivando derrotar parte da consciência conservadora de lá.
Os problemas brasileiros nesta área não são menores do que os dos EUA. Por aqui, com nossas imensas diferenças sociais, a única solução possível e factível é a do acesso público e universal de todos os brasileiros a qualquer tratamento de saúde que necessitem. Investir na rede pública, melhorar os serviços existentes, atuar na prevenção de doenças etc são medidas fundamentais para garantir a felicidade de todos. O combate as distorções existentes é uma tarefa hercúlea, porém necessária, à modernização da vida social brasileira. Afinal de contas, o acesso a saúde é um direito humano e uma obrigação de um Estado que se pretenda civilizado.

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