32 milhões de desejos

"Sonhar não custa nada" nos lembra um samba enredo muito popular, cantado num desses carnavais cariocas, há alguns anos atrás. Ele se adequa muito bem a momentos como este em que alguns milhões de brasileiros param para imaginar o que fariam se ganhassem o prêmio acumulado da Megasena. Não custa nada sonhar, mas nossos sonhos cotidianos, para serem realizados, são convertidos em valores monetários.
Assim, penso que temos três categorias de sonhos: aqueles que nas teias e emaranhados do cotidiano, nos engalfinhamos para realizá-los. São os sonhos possíveis. Sofridos. Suados. Banais. Mas, essenciais ao nosso viver. Nos formam a personalidade, cumprem a função de satisfazer pequenas necessidades básicas que nos faz sentirmos "gente".
Há os que ultrapassam qualquer parâmetro individual, imediato. Ao longo da história, movem multidões, civilizações inteiras, povos, grupos distintos, mas unidos em torno deste tipo de sonho. São os sonhos "impossíveis". Entre aspas porque são, na verdade, possíveis. Apenas aqueles que não se percebem como seres históricos é que não conseguem ver que aquilo que "hoje" é uma total impossibilidade, pode, por "caminhos nunca dante navegados", tornar-se uma banalidade vivenciada por gerações futuras. Quem, no tempo de Leonardo da Vinci, acreditaria que existiriam máquinas capazes de transportar o homem de um lugar para outro? Quem poderia achar, no tempo de Júlio Verne, que o homem faria uma viagem à Lua? Quem diria que um país do tamanho de Cuba, com uma economia em frangalhos, cercado pela pressão política dos EUA, sem apoio de nenhum país, conseguiria manter um sistema público de ensino e saúde, nos níveis exemplares que mantém? Quem acreditaria que veríamos um presidente americano negro com nome de árabe apertando a mão de um presidente brasileiro nordestino que foi liderança sindical? Quem em sã consciência acreditaria que o Brasil um dia não apenas pagaria sua dívida ao FMI, mas, mais que isso, emprestaria dinheiro ao tal banco...e isso tudo em um governo cujo presidente é do PT?? Isso tudo sem falar das maravilhas da informática e da robótica, já antecipados pelo cinema desde o seu nascedouro, como promessas de um futuro que a realidade, ao longo do tempo vai cumprindo. A história nos mostra que há "sonhos" que, para o bem ou para o mal, podem, sim, tornarem-se "realidade".
Como disse, há um terceiro tipo de sonho. Estão num plano intermediário entre os sonhos possíveis e os "impossíveis". São aqueles sonhos que poderiam ser realizados caso fôssemos agraciados com uma bolada como a que a Megasena está oferecendo ao ganhador do sorteio da próxima quarta: 32 milhões. Nessa categoria de sonhos, revelamos um pouco do que somos, com um pouco mais de "grandeza" (ou "pequeneza"), tanto no que intentamos fazer, como no que esquecemos de mencionar.
Todos (quando instados) têm um rol do que fariam com tanto dinheiro. Darei-me o direito de externar o que faria, lembrando que não deixaria de trabalhar (nunca se sabe o dia de amanhã, não é mesmo?). Lá vai:

1. Garantiria uma pensão vitalícia para Fatinha, que há mais de 30 anos mora, convive e ajuda meus pais nos serviços domésticos;
2. Pagaria viagens para minha mãe, quantas e para onde ela quisesse (e a acompanharia em algumas, claro);
3. Compraria uma casa para Allan, meu irmão, que por viver de aluguel, já se acostumou a anualmente mudar de domicílio;
4. Compraria uma casa nova pra mim e outra para meu filho Cainã cuidar de Peri;
5. Garantiria que Dona Marlene e Seu Expedito assistissem, todos os anos, o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, com direito a hospedagem e alimentação durante todo o período;
6. Compraria um carro tipo Furgão para que eu pudesse viajar para qualquer lugar (Sagitariano, na astrologia ocidental, Cabra no zodíaco chinês, e filho de Obaluaiê, no candoblé: para gente assim, viajar e conhecer coisas novas são princípios de vida!);
7. Daria uma volta ao mundo, sem pressa e aberto a roteiros que emergissem inesperadamente.
8. Apoiaria a manutenção da Filarmônica Eco da Terra, do assentamento Modelo II, de João Câmara;
9. Fundaria e manteria uma entidade que produzisse e viabilizasse projetos artístico-culturais, voltada prioritariamanete para pessoas de baixa renda:
a. para o maestro Ubaldo Medeiros tranquilamente formar novos músicos;
b. para minha querida maestrina Tércia organizar corais;
c. para meu amigo Danúbio montar um espetáculo com o Pau e Lata e correr mundo com ele;
d. para Gilmar Leite divulgar e ensinar (?) poesia por este mundo a fora;
e. para os Negros do Rosário se afirmarem não como "exotismo" e sim como principal e expecífica expressão da cultura negra no Seridó;
f. para surgirem grupos de todos os tipos de música (menos de axé, pagode, sertanjo e forró de banda ou, como diz meu querido Djalma Mota, forró "pela metade");
10. Construiria um Espaço Cultural de médio porte em Caicó, com estrutura para abrigar todos os tipos de apresentações teatrais e sessões de cinema;

Para aqueles que não se sentem contemplados nesses desejos, peço desculpas. São reflexões e lembranças absolutamente imediatas (sob certo ponto de vista, ridículas). Peço que me lembrem de alguma injustiça cometida. Aqueles que tem os seus sonhos e só matutam solitariamente, que as tornem públicas como fiz (sem medo de cair no ridículo). Já pensaram o belo painel que teremos, com desejos de todo mundo pipocando na net?
No mais, com tudo isso ainda sobraria muito dinheiro...com o restante do qual eu realizaria desejos inconfessáveis...e por serem inconfessáveis somente eu e os orixás sabemos quais são.
Mas para realiza-los, no mínimo, é preciso fazer algo fundamental: apostar na própria sorte. Coisa que muitos de nós sequer fazemos (inclusive eu). Meu consolo, pelo menos, é que nunca os números que tenho na cabeça foram sorteados. Assim, não posso reclamar que a sorte piscou pra mim e eu que faltei o encontro...

Comentários

dra.neurawm disse…
Aceitando a provocação, mesmo que com atraso...

Então, entre as coisas que eu faria com parte dessa “dinheirama” toda, seria mandar construir (com assessoria de um instrumentista experiente) um violoncelo com o melhor luthier do mundo, para dar a um amigo que um dia me confidenciou que era fascinado pelo som dos cellos (chorões e românticos), e que adoraria ter e aprender a tocar esse instrumento. Sou testemunha do fascínio dele por uma boa orquestra! Claro, seria um violoncelo de solista, de primeiríssima qualidade, com um arco também de primeiríssima, talvez com um visual moderno, com uma tecnologia avançada e com uma sonoridade ampla, uma acústica ímpar, afinadíssimo para um ouvido tão refinado e ao mesmo tempo tão eclético como é o ouvido de meu amigo. Providenciaria também, um estojo adequado e de material rígido. Porque, se ele deixar cair seu violoncelo do jeito que deixa cair seu celular, aiaiaiai!!! Ah! E já deixaria pagas as aulas de violoncelo dos primeiros cinco anos, com o melhor professor e de onde ele quisesse.

Abraços com laços,

Neura Maria Weber Maron

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