De Lula e Jardins
Primeiro, perderam a eleição para Presidente. Mas tinham a maioria do Congresso e do Judiciário. Todos oriundos dos mesmos berços. Frequentaram as mesmas escolas. Beberam nos mesmos bares e jantaram nos mesmos restaurantes. Por vezes, fizeram viagens juntos ao exterior, com direito a selfies e esbórnia.
Aí escolheram para presidente da Câmara e do Senado amigos que poderiam sabotar o governo da presidenta recém-eleita. Havia muita mágoa de tudo o que havia acontecido antes: os filhos de suas empregadas começaram a entrar nas universidades. Desapareceram os esmolés se humilhando defronte aos portões de suas mansões pedindo comida ou um trabalho de limpeza qualquer. Cruzaram, inadvertidamente, com os porteiros de seus condomínios de luxo viajando em aviões em poltronas bem próximas das deles. E viram como inaceitável que parte dos recursos públicos pudessem estar a serviço disso. Essa diretriz política era inaceitável.
No comando do Congresso, boicotaram as ações do governo, postergaram votações importantes, impediram a máquina pública de funcionar. Com o governo parado e uma crise econômica mundial pairando sobre todos nós - eles sabiam - não seria difícil criar as condições para o reaparecimento de ódios antigos. Foi assim na Itália, nos anos 1920, e na Alemanha, nos anos 1930. E esses ódios recrudesceram, pisando quaisquer flores, agrediram mulheres, comunistas, gays, lésbicas, trans, avançaram sobre professores e o que eles faziam nas salas de aulas...agora deu a pôrra!!! eu estou escrevendo sobre a Itália e a Alemanha do século passado ou sobre o Brasil deste século?? vammos em frente...
Todos os dias, vociferavam nas mídias os casos de corrupção que eles mesmos compactuaram durante décadas e os problemas econômicos que eles mesmos (ao paralisarem o governo) ajudaram a gestar. E aí caçaram o mandato da primeira presidenta eleita. Não porque ela tivesse cometido algum crime de corrupção, enriquecido ilicitamente ou, por irresponsabilidade, causado a morte de pobres cidadãos. Diziam que ela havia cometido "pedaladas fiscais", algo já feito por presidentes, governadores e prefeitos antes dela, mas que nunca haviam questionado, porque não apenas haviam dúvidas jurídicas, mas, principalmente, o projeto político que eles representavam era, afinal de contas, mais importante do que as tais pedaladas. E caçaram a presidenta, em festa, entoando loas às suas famílias, a Deus e ao país. A grande maioria deles, todos sabiam, não eram flores que devessem ser cheiradas. Nesse jardim, poucas eram as flores que se pudesse, de fato, apreciar e cheirar com a segurança da credulidade das crianças.
Depois, sentaram nas cadeiras e nos comandos e começaram a fazer o que pretendiam fazer desde muito tempo atrás: dilapidar direitos, rasgar, aos poucos, aquelas páginas pouco lidas da constituição e enlarguecer os canais por onde os abutres da economia poderiam ganhar mais dinheiro. Aqueles mesmos que depuseram a presidenta, em nome de Deus, de suas famílias e do país, aprovaram uma reforma trabalhista para que os empresários ganhassem mais dinheiro e os trabalhadores perdessem mais direitos. Mudaram a constituição para que durante 20 anos a maior parte dos recursos públicos tenha caminho garantido em direção aos bolsos de rentistas que não vivem em nosso país, que não sabem onde fica a Rua Chile, como chegar ao Panatis, ou em que mês do ano acontece a Festa de Santana, mas sabem quanto de dinheiro daqui entrarão em suas gordas contas bancárias. E assim, aqueles direitos sociais (educação, saúde, assistência social) que a constituição garantia só garantia legalmente, agora, correm o risco de sequer serem garantidos assim, porque a mesma constituição permite que eles possam ser "flexibilizados" em razão da necessidade de se garantir "o equilíbrio das contas públicas", isto é, não importam as pessoas, e sim, as equações fiscais.
Todo dia diziam estar combatendo a corrupção ancestral. Um "mecanismo" entranhado na rotina do Estado. Mas, estranhamente, o foco da mira apontava apenas para um ex-presidente que tinha antecedido a presidenta deposta e havia sido o primeiro a implementar aquelas diretrizes políticas inaceitáveis.
Diziam que ele era dono de um apartamento (cafona) numa praia (cafona) e de um sítio, recebidos como fruto de seu envolvimento em um jardim mal cheiroso. Diziam sentir um fedor e diziam ter a convicção de que vinha dali, do jardim por onde os pés do ex-presidente haviam pisado. Tinham a convicção disso. Mas não mostravam suas botas embostadas, apenas suas convicções, essas sim, fedidas, porque enlameadas daquele ódio contra o que havia sido feito em favor das filhas de suas empregadas, dos porteiros de seus condomínios e dos esmolés das ruas.
Acusaram o ex-presidente sem provas. O julgaram com base nessas não-provas.
Um cidadão foi investigado, acusado e julgado sem provas evidentes que atestassem sua culpa. Em face da ameaça de ser preso antes que seu processo encerrasse todas as fases (algo garantido a ele pela constituição e pelo código penal) ele recorreu à suprema corte, a qual decidiu pela negação de seu pleito. Assim, os próprios juízes optaram, no caso desse cidadão, em rasgar a constituição e o código penal que é função deles defenderem.
O problema é que não se trata de um "cidadão comum". O sujeito é um ex-presidente é candidato a presidente da república novamente. Lidera todas as pesquisas de opinião.
Mas, não é do agrado dos senhores do mercado (embora, durante o governo do ex-presidente, eles nunca tenham seus ganhos ameaçados). Não é do agrado do comando das forças armadas (que tiveram atenção e respeito desse ex-presidente). Não é do agrado do Congresso Nacional (cuja maioria, sabemos, não são flores que se cheire, mas o ex-presidente mantinha uma relação mais que equilibrada). Não é do agrado dos juízes (mesmo que o ex-presidente, quando no governo, tenha respeitado as indicações e postulações da corte).
Descumpriram as leis (que eles mesmos fizeram e que, antes, protegiam a tantos amigos deles) para que o processo de prisão fosse mais rápido para esse ex-presidente.
Aprendi cedo (lá pelos 15 anos de idade) - e a leitura de um certo educador pernambucano apenas fortaleceu isso - que não podemos separar o que acontece dentro de nossas salas de aula, dentro de nossos lares, dentro de nós mesmos, com o que acontece fora, porque um dia o que acontece lá fora chega até nós de alguma forma. E se o que chega é a negação de direitos e o desrespeito à democracia, então temos muito com o que se preocupar.
A narrativa é confusa mesmo...pode parecer que eu esteja conjugando o verbo no passado para falar do presente ou falando de um presente desejando que seja um passado que passe logo...como for, deixo com vocês um trecho de uma poesia (que já tem mais de 40 anos de idade) do carioca Eduardo Alves da Costa que pode ajudar a refletirmos sobre o atual momento:
NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKY
"[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma floor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]"
Aí escolheram para presidente da Câmara e do Senado amigos que poderiam sabotar o governo da presidenta recém-eleita. Havia muita mágoa de tudo o que havia acontecido antes: os filhos de suas empregadas começaram a entrar nas universidades. Desapareceram os esmolés se humilhando defronte aos portões de suas mansões pedindo comida ou um trabalho de limpeza qualquer. Cruzaram, inadvertidamente, com os porteiros de seus condomínios de luxo viajando em aviões em poltronas bem próximas das deles. E viram como inaceitável que parte dos recursos públicos pudessem estar a serviço disso. Essa diretriz política era inaceitável.
No comando do Congresso, boicotaram as ações do governo, postergaram votações importantes, impediram a máquina pública de funcionar. Com o governo parado e uma crise econômica mundial pairando sobre todos nós - eles sabiam - não seria difícil criar as condições para o reaparecimento de ódios antigos. Foi assim na Itália, nos anos 1920, e na Alemanha, nos anos 1930. E esses ódios recrudesceram, pisando quaisquer flores, agrediram mulheres, comunistas, gays, lésbicas, trans, avançaram sobre professores e o que eles faziam nas salas de aulas...agora deu a pôrra!!! eu estou escrevendo sobre a Itália e a Alemanha do século passado ou sobre o Brasil deste século?? vammos em frente...
Todos os dias, vociferavam nas mídias os casos de corrupção que eles mesmos compactuaram durante décadas e os problemas econômicos que eles mesmos (ao paralisarem o governo) ajudaram a gestar. E aí caçaram o mandato da primeira presidenta eleita. Não porque ela tivesse cometido algum crime de corrupção, enriquecido ilicitamente ou, por irresponsabilidade, causado a morte de pobres cidadãos. Diziam que ela havia cometido "pedaladas fiscais", algo já feito por presidentes, governadores e prefeitos antes dela, mas que nunca haviam questionado, porque não apenas haviam dúvidas jurídicas, mas, principalmente, o projeto político que eles representavam era, afinal de contas, mais importante do que as tais pedaladas. E caçaram a presidenta, em festa, entoando loas às suas famílias, a Deus e ao país. A grande maioria deles, todos sabiam, não eram flores que devessem ser cheiradas. Nesse jardim, poucas eram as flores que se pudesse, de fato, apreciar e cheirar com a segurança da credulidade das crianças.
Depois, sentaram nas cadeiras e nos comandos e começaram a fazer o que pretendiam fazer desde muito tempo atrás: dilapidar direitos, rasgar, aos poucos, aquelas páginas pouco lidas da constituição e enlarguecer os canais por onde os abutres da economia poderiam ganhar mais dinheiro. Aqueles mesmos que depuseram a presidenta, em nome de Deus, de suas famílias e do país, aprovaram uma reforma trabalhista para que os empresários ganhassem mais dinheiro e os trabalhadores perdessem mais direitos. Mudaram a constituição para que durante 20 anos a maior parte dos recursos públicos tenha caminho garantido em direção aos bolsos de rentistas que não vivem em nosso país, que não sabem onde fica a Rua Chile, como chegar ao Panatis, ou em que mês do ano acontece a Festa de Santana, mas sabem quanto de dinheiro daqui entrarão em suas gordas contas bancárias. E assim, aqueles direitos sociais (educação, saúde, assistência social) que a constituição garantia só garantia legalmente, agora, correm o risco de sequer serem garantidos assim, porque a mesma constituição permite que eles possam ser "flexibilizados" em razão da necessidade de se garantir "o equilíbrio das contas públicas", isto é, não importam as pessoas, e sim, as equações fiscais.
Todo dia diziam estar combatendo a corrupção ancestral. Um "mecanismo" entranhado na rotina do Estado. Mas, estranhamente, o foco da mira apontava apenas para um ex-presidente que tinha antecedido a presidenta deposta e havia sido o primeiro a implementar aquelas diretrizes políticas inaceitáveis.
Diziam que ele era dono de um apartamento (cafona) numa praia (cafona) e de um sítio, recebidos como fruto de seu envolvimento em um jardim mal cheiroso. Diziam sentir um fedor e diziam ter a convicção de que vinha dali, do jardim por onde os pés do ex-presidente haviam pisado. Tinham a convicção disso. Mas não mostravam suas botas embostadas, apenas suas convicções, essas sim, fedidas, porque enlameadas daquele ódio contra o que havia sido feito em favor das filhas de suas empregadas, dos porteiros de seus condomínios e dos esmolés das ruas.
Acusaram o ex-presidente sem provas. O julgaram com base nessas não-provas.
Um cidadão foi investigado, acusado e julgado sem provas evidentes que atestassem sua culpa. Em face da ameaça de ser preso antes que seu processo encerrasse todas as fases (algo garantido a ele pela constituição e pelo código penal) ele recorreu à suprema corte, a qual decidiu pela negação de seu pleito. Assim, os próprios juízes optaram, no caso desse cidadão, em rasgar a constituição e o código penal que é função deles defenderem.
O problema é que não se trata de um "cidadão comum". O sujeito é um ex-presidente é candidato a presidente da república novamente. Lidera todas as pesquisas de opinião.
Mas, não é do agrado dos senhores do mercado (embora, durante o governo do ex-presidente, eles nunca tenham seus ganhos ameaçados). Não é do agrado do comando das forças armadas (que tiveram atenção e respeito desse ex-presidente). Não é do agrado do Congresso Nacional (cuja maioria, sabemos, não são flores que se cheire, mas o ex-presidente mantinha uma relação mais que equilibrada). Não é do agrado dos juízes (mesmo que o ex-presidente, quando no governo, tenha respeitado as indicações e postulações da corte).
Descumpriram as leis (que eles mesmos fizeram e que, antes, protegiam a tantos amigos deles) para que o processo de prisão fosse mais rápido para esse ex-presidente.
Aprendi cedo (lá pelos 15 anos de idade) - e a leitura de um certo educador pernambucano apenas fortaleceu isso - que não podemos separar o que acontece dentro de nossas salas de aula, dentro de nossos lares, dentro de nós mesmos, com o que acontece fora, porque um dia o que acontece lá fora chega até nós de alguma forma. E se o que chega é a negação de direitos e o desrespeito à democracia, então temos muito com o que se preocupar.
A narrativa é confusa mesmo...pode parecer que eu esteja conjugando o verbo no passado para falar do presente ou falando de um presente desejando que seja um passado que passe logo...como for, deixo com vocês um trecho de uma poesia (que já tem mais de 40 anos de idade) do carioca Eduardo Alves da Costa que pode ajudar a refletirmos sobre o atual momento:
NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKY
"[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma floor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]"
Comentários
Lúcido, certeiro, poético e, contrariando a aparência da forma, didático.