Qual a política da SEEC/RN para a educação dos jovens e adultos?

Nos findares de 2017 (ou seja, dias atrás), duas informações me chegaram, ambas por acaso, de fontes distintas, mas interligadas pelo que têm de sintomático dos tempos desleais em que as políticas de educação para pessoas jovens e adultas se encontram.
A primeira, de que a atual secretária da rede pública estadual de educação básica, teria anunciado em uma reunião com seus auxiliares dirigentes das DIRED, que estariam sendo realizadas mudanças estruturais na Secretaria de Estado da Educação e da Cultura – SEEC/RN, nas quais algumas subcoordenadorias teriam suas funções, projetos e objetivos incorporados pelas Subcoordenadorias de Ensino Fundamental e Médio. A SUEJA – Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos –, por exemplo, ficaria restrita à coordenação das ações de alfabetização de jovens e adultos.
A segunda informação, tornada pública pelo IBGE dia 21 de dezembro, trouxe os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) 2016, segundo a qual se estima que 24,8 milhões das pessoas de 14 a 29 anos de idade não frequentavam escola, cursos pré-vestibular, técnico de nível médio ou de qualificação profissional no ano passado. Além disso, no país, 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinham instrução; 30,6% tinham o fundamental incompleto; 9,1% tinham fundamental completo; 3,9% tinham ensino médio incompleto; e 26,3% tinham o ensino médio completo. Não consegui dados desse PNAD referentes ao nosso Estado, mas dificilmente o RN apresentará números que indiquem uma realidade diferente.
Mas, qual a associação entre ambas informações? Enquanto a segunda confirma com dados gritantes o que numerosos estudos vêm denunciando há tempos sobre a falência das políticas atualmente em voga para a modalidade EJA promover o direito à educação à população acima de 15 anos que se encontra “fora de faixa” como se diz no jargão pedagógico dominante, a primeira revela como se faz para que aqueles números (pelo menos no âmbito estadual) continuem a ser (re)produzidos nos anos vindouros.
A lei de diretrizes e bases da educação nacional, ao criar a modalidade EJA acolhia a demanda posta de se promover o direito à educação àquele contingente de cidadãos que tiveram seus direitos à educação negados pelas dinâmicas e mecanismos de promoção da desigualdade social de nosso país. E não se estava falando apenas daqueles não alfabetizados, mas aqueles também que não haviam concluído o ensino fundamental ou médio na chamada “idade própria”.
A negação de direitos fundamentais estão na base da negação do direito à educação, por isso, passados 20 anos da aprovação e implementação da modalidade prevista na lei, o que temos é a realidade apontada pela pesquisa do IBGE segundo a qual na  faixa de 14 a 29 anos, entre as razões mais frequentes que impediam esses cidadãos de estudar aparece a procura por trabalho ou o fato de já terem conseguido trabalho que começaria em breve (41%); não tinham interesse em continuar os estudos (19,7%); e por terem que cuidar dos afazeres domésticos ou de criança, adolescente, idosos ou pessoa com necessidades especiais (12,8%).
Na mesma pesquisa, indica-se que 51% da população de 25 anos ou mais possuem apenas o ensino fundamental completo, um retrato devastador do quanto é necessário em nosso país não apenas a modalidade EJA (que para alguns “entendidos de educação” deveria ser extinta), mas uma outra visão de como estrutura-la, conduzi-la e promove-la.
Quanto a isso, a opção da atual gestão da secretaria de estado de educação, de reduzir a SUEJA à uma mera coordenação de um programa de alfabetização, ao invés de apontar à promoção da educação de pessoas jovens e adultas,  na verdade, revela que a sua orientação política é de sua extinção.
Essa orientação já estava esboçada quando da publicação da portaria 1731 – em fins de 2016 – que limitava a constituição de turmas de EJA a um mínimo de 30 estudantes, no nível do ensino fundamental, e 35, no nível do ensino médio, medida esta que legitimava diretores de escola não abrirem turmas de EJA caso a demanda estivesse abaixo desses parâmetros, dando as condições para a negação do direito à educação escolar à essa população.
Mas, agora, com a reorganização das funções da SUEJA limitando-a à coordenação de um programa de alfabetização de jovens e adultos (extremamente tímido, aliás, quanto às suas metas e alcance), o que temos é a consolidação de uma visão que restringe a educação de pessoas jovens e adultas às questões do analfabetismo, quando o debate na área sobre as políticas para esse público tem sido pautado pela ideia da educação ao longo da vida, isto é, pensar um projeto educativo que não se volte apenas às questões do alfabetismo de jovens e adultos, mas atinja toda a escolarização em nível de educação básica e a ultrapasse, redefinindo, inclusive, as práticas e a organização curriculares na modalidade EJA.
Certamente, virão da SEEC argumentos no sentido de dizer que ao diluir as funções, objetivos e projetos da SUEJA no âmbito das Subcoordenadorias de Ensino Fundamental e Ensino Médio, está se fazendo exatamente isso: incluir a EJA entre os propósitos das políticas que estão sendo pensadas nesses níveis de ensino.
Porém, esse é o problema: quando a LDB criou as modalidades, o fez a partir da assunção de que o processo pedagógico deve se sustentar numa visão peculiar e coerente com as características específicas do público a que está destinada. As modalidades radicalizam uma outra máxima do jargão pedagógico dominante do “partir da realidade do aluno”, porque supõe-se que ao se reconhecer (pelo menos nos casos da Educação Especial, Educação do Campo e Educação de Jovens e Adultos) essa “realidade” presente (e passada) como limitante do acesso ao direito à educação, a gestão mobiliza seus recursos para superar essas limitações com ações específicas.
Ao submeter as ações de uma modalidade a um setor administrativo que pensa as políticas educacionais no plano de níveis (fundamental e médio) a gestora da rede pública estadual aponta no sentido contrário dessa construção histórica dos movimentos educativos brasileiros, enquadrando a modalidade na lógica do modelo regular dos ensinos, com tempos e ritmos mais rígidos. Com efeito, passa-se a conceber que tudo relacionado à modalidade pode e deve ser regido pelos mesmos princípios do modelo regular, apenas sendo necessário algumas “adaptações” à realidade da modalidade. 
Não parece óbvio que se temos um público com especificidades (no caso da EJA, pessoas cujas relações com os processos escolares são/foram atravessados por inconstâncias) a gestão, a organização curricular e os processos pedagógicos precisam ser regidos por estratégias e lógicas...específicas? E que, portanto, a tentativa de conduzir a modalidade tendo como parâmetro o ensino regular somente amplifica os problemas da EJA, na medida em que supõe esse parâmetro como o “adequado”?
Mas adequado para quem? Como esperar que sujeitos que trabalham todos os dias, sem direitos trabalhistas, em condições precárias e sob uma inconstância absoluta quanto a carga horária, possam ter uma dinâmica de frequência igual a de um estudante do ensino regular? Será que não é por essa razão que a pesquisa do IBGE nos aponta que 24,1% dos homens e 14,9% das mulheres com idade entre 14 e 29 anos afirmaram não ter interesse em estudar? Não seria porque estão mais interessado(a)s no que lhes assegura sobrevivência imediata do que nas promessas de futuro que a escola sinaliza, mas, obviamente, não garante?
Como resultado, temos que no país, conforme a PNAD publicada pelo IBGE, 11,2% da população de 25 anos ou mais não tinham instrução; 30,6% tinham o fundamental incompleto; 9,1% tinham fundamental completo; 3,9% tinham ensino médio incompleto; 26,3% tinham o ensino médio completo e 15,3% o superior completo.
Portanto, mais da metade da população de 25 anos ou mais no Brasil possuíam apenas até o ensino fundamental completo. As regiões Norte e Nordeste registaram os maiores percentuais de pessoas sem instrução, 14,5% e 19,9%, respectivamente. As maiores proporções de nível superior completo foram estimadas para o Centro-Oeste (17,4%) e Sudeste (18,6%), enquanto as regiões Norte e Nordeste tiveram as menores proporções, 11,1% e 9,9%. No Nordeste 52,6% da população não alcançou o ensino Fundamental completo. Na região Sudeste, 51,1% tinha pelo menos o Ensino Médio Completo.
Pensar a reversão desse quadro (pelo menos no âmbito do RN) implica mudar a visão acerca da gestão da EJA, mas não como tem sido feito pela atual gestora da SEEC, focando as ações da subcoordenadoria em um programa de alfabetização, mas construindo uma outra agenda que tenha como horizonte a ampliação do direito à educação para essas pessoas com mais de 15 anos e que possuem uma trajetória acidental com a escola.
Essa agenda deveria compor-se dos seguintes eixos:
a)       Constituição de um comitê gestor de educação de pessoas jovens e adultas, no qual teriam assento as diversas entidades civis e instituições preocupadas com a temática, a fim de se pactuar a política de educação de pessoas jovens e adultas a ser implementada pela SUEJA;
b)      Pactuação, envolvendo rede estadual e redes municipais, para a oferta de vagas na modalidade EJA, em todo o Estado;
c)       Construção de um amplo processo de discussão sobre reorganização curricular da modalidade nas escolas da rede estadual de educação pública;
d)       Criação de uma Comissão de Certificação em EJA de caráter volante, para atendimento do público que não acessa as escolas das redes;
e)       Ampliação da oferta na modalidade EJA com oferta de cursos semipresenciais; e
f)        Implementação de um processo de formação continuada dos profissionais atuantes na EJA da rede pública estadual.

Aliás, parte dessa agenda já estava engatilhada antes da atual gestora da SEEC/RN assumir o leme. Resta saber o porquê de não se ter tido prosseguimento.

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