(Mono)Cultura e eventos em Caicó

Recebi, recentemente, mensagens de amigos de Caicó sobre as questões culturais locais. Numa das mensagens, leio uma postagem do blog de Diego Vale (que não conheço), segundo o qual Caicó (diferentemente, por exemplo, da Terra da Xelita, a bela Currais Novos) não teria uma política de eventos turístico-culturais. Isso é verdade. Mas há uma tendência de se responsabilizar apenas o poder público e não podemos perder de vista o quanto todos (eu disse TODOS) têm responsabilidade nessa história. É claro que o poder público está na dianteira disso, mas apenas é o primeiro colocado de uma disputa que (sem querer) todos deverão receber alguma medalha. Portanto, o buraco tem mais fundura, lixo e catinga que o Poço de Santana.
Em primeiro lugar, não se trata apenas de "eventos" (que são momentos pontuais e efêmeras) e sim de "política", "política cultural", isto é, uma diretriz (permanente, cotidianamente alimentada), construída em acordo com os artistas e empreendedores culturais da cidade, sobre o que deve ser feito e como se deve gastar um certo montante de recursos públicos em apoio às iniciativas que se entendem estratégicas para a cultura do lugar. Há os que dirão que os eventos são estratégicos e, portanto, devem receber mais recursos, para continuarmos vendo bandas tipo "forrozãomerdacombosta" ou coisa parecida, dando toneladas de lucro para alguns poucos empresários culturais. Mas também aparecerão os que defenderão que estratégico é manter grupos tradicionais (como os Negros do Rosário) que são manifestações originais e que precisam ser mantidas (do contrário desaparecerão junto com seus pobres mantenedores, como resultado da vitória do preconceito e da pobreza cultural que habita alguns de nossas elites locais). Também teremos que ver o que fazer com aqueles grupos, educadores e pequenas iniciativas que deixam o cotidiano de crianças, jovens e adolescentes mais cheio de vida, alegria e horizontes quando aprendem a cantar, dançar, teatralizar o mundo, tocar um instrumento ou pintar e desenhar coisas em papel, telas ou na parede...
Então, o poder público precisa definir o que fará com o dinheiro (do nosso suor) que arrecada. E o que deveria ser feito, precisaria considerar a formação de platéias, novos artistas, alimentando a cadeia produtiva desse segmento.
Agora, o setor privado também tem sua responsabilidade, afinal, o que vemos é a pouca capacidade (e coragem) desse setor em transformar seus lucros (trazendo aquelas bandas de quem já citei antes) em contribuição para a promoção de uma diversidade de experiências culturais que ampliem os horizontes culturais da população, inclusive promovendo espetáculos que atendam à diversidade de gostos que já existem em Caicó e adjascências.
Assim, como os velhos fazendeiros monocultores de antigamente, nossos empreendedores culturais, só sabem investir naquilo que dá retorno certo, em larga escala, e que lhes dêem pouco trabalho. E, com isso, continuam a manter o ciclo de empobrescimento de nossa vida cultural, deixando o público sem opções, e os artistas locais prisioneiros de couverts dos poucos bares do lugar. E nesse quadro, de um jeito ou de outro, só eles ganham. Não há compromisso com nada além do próprio ganho. Por isso que a programação do Carnaval e da Festa de Santana deste ano será igual ao do ano passado, que foi igual ao do outro ano...que foi igual...que foi igual...
Agora, os artistas locais também não estão imunes a isso...Em contato estreito com esse universo, vejo que para além das grandes dificuldades que atravessam suas existências, os artistas da cidade não sabem, não conseguem e, alguns, não querem, se organizar para se constituírem como protagonistas de um projeto de política cultural para a cidade. Sequer conseguem organizar entre si uma agenda de uso dos espaços culturais da cidade durante o ano todo (talvez porque estejam muito preocupados com os próprios projetos). Não dialogam artisticamente (talvez satisfeitos com as opções e possibilidades estéticas que cultivam). Não buscam atrair cursos para aperfeiçoamento técnico e artístico (talvez porque se sintam muito bons no que fazem)...Minha experiência (não tão curta) por essas paragens me fez ver tudo isso e lamentar tudo isso.
Assim, ao final de tudo, não vemos projetos culturais de Caicó em canto nenhum: os editais do Ministério da Cultura, do BNB Cultura, do Itaú Cultural, da Petrobras, do Banco do Brasil, vixe....tanta coisa...e não vemos os projetos culturais (sejam advindos do poder público, seja do "poder" privado) de Caicó em canto nenhum...E claro que a Casa de Cultura Popular está precisando de recursos...claro que os Negros do Rosário também...e os grupos de teatro também...e os artistas plásticos...e as bordadeiras...e....
É a nossa "seca"...e as respostas dadas são igualmente "secas"...se mantivermos nossos raciocínios "monoculturais", teremos o mesmo fim que nossas elites conservadoras e ultrapassadas tiveram...a crise, a queda e a nostalgia.
Já que me utilizei da metáfora da monocultura agrícola, devo provocar todos chamando a atenção que as mais modernas propostas agrícolas, defendem que, ao invés de se investir em monocultura para exportação, deve-se investir na diversidade de produtos, com qualidade (sem agrotóxico) e em alimentos (que todo mundo precisa e tem, também, escoamento certo).

Comentários

Francisco disse…
O trabalho da classe artística e cultural de Caicó tem sido, é a única maneira clara de não só expressar o descontentamento profundo que toma conta de centenas de jovens artistas e apreciadores de arte frente à degeneração permanente, superficialidade e hipocrisia que rondam estas instituições.

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